domingo, 31 de outubro de 2010

A logística no mercado segurador

Em 1990 quando comecei a atuar em uma grande empresa do mercado segurador deparei com uma situação constrangedora enquanto participava de uma reunião com representantes de várias operadoras em uma comissão técnica da FENASEG, da qual eu fazia parte representando a companhia onde eu trabalhava.
Eu era o mais jovem em um grupo de proeminentes profissionais de mercado. Verdadeiras águias. Recordo, em especial, de um episódio que gostaria de compartilhar com vocês. Após a conclusão da reunião um dos presentes, repentinamente, perguntou: “Marco Antonio, você gostaria de colocar alguma questão à mesa”?
 Perguntei algo que há algum tempo me incomodava e acreditava que eles poderiam saciar minha curiosidade. A pergunta que fiz foi: por que razão as seguradoras não oferecem cobertura de seguro para automóveis de taxista? Alguns riram. Meu interlocutor respondeu de forma lacônica na ocasião. Afirmou que a exposição ao risco era elevada, pois os carros ficavam expostos por mais tempo, e que, portanto, o custo seria proibitivo para aquisição da cobertura e que eu na condição de atuário , deveria saber disso.
 Eu confesso que fiquei incomodado na ocasião, mas insisti afirmando que, de fato, a exposição poderia contribuir para aumentar o risco, mas que por outro lado, o fato do taxista ter na atividade, o seu meio de sustento, em tese, o tornava mais cauteloso para evitar acidentes e assim seu interesse e comportamento poderiam servir como vetor reverso para minimizar o risco.
Desisti de insistir quando ele respondeu que a exposição é uma variável possível de medir, mas que a cautela do público alvo, não.
Se meu interlocutor estivesse vivo hoje, poderia comprovar que o hábito e o comportamento podem e devem ser considerados como uma variável mensurável na determinação dos prêmios de seguros. Tanto é verdade que as mulheres, por serem mais cautelosas na direção, costumam ter o prêmio reduzido em relação ao sexo masculino. 
Servi-me desse preâmbulo para abordar, como tema, o peso do prestador de serviços como parte do processo de sucesso na relação com o consumidor final dos produtos de seguros à luz da “logística do mercado segurador”, que entendo ser um ponto chave para qualquer Seguradora ter sucesso no atual contexto de negócios, marcado por um ambiente de alta tecnologia, competitividade acirrada, concentração da indústria, cenário de queda de juros no médio e longo prazo e a forte regulação do mercado que exige o emprego de estratégicas mais eficientes das operadoras em vista do alinhamento aos melhores princípios de boa prática de gestão de risco e de governança corporativa.    
O conceito de logística que gostaria de tratar passou por uma mudança drástica em todos os setores da atividade econômica. Com a indústria de serviços, na qual a atividade seguradora está inserida, não foi diferente. Se em 1990 privilegiava-se a visão estática e departamental na condução dos negócios, o paradigma mudou em vista das profundas mudanças ocorridas ao longo das últimas duas décadas com o mundo globalizado. A visão industrial estática predominante em toda indústria da produção deu lugar à visão holística como necessária para conduzir os negócios a bom termo.
A década de 1990 foi marcada por grandes desafios para o setor de seguros. As diversas crises econômicas fizeram com que as seguradoras elegessem a gestão financeira como prioridade, deixando a gestão de risco em segundo plano, os processos de downsizing reduziram significativamente o tamanho das organizações. O elevado custo operacional fez muitas sucumbirem ao longo da década. Como consequência, o mercado caminhou para uma maior concentração. Muitas empresas foram adquiridas e outras deixaram de existir por não conseguirem acompanhar o ritmo e a velocidade das mudanças, ou porque apenas não estavam sintonizadas com a necessidade de mudar suas estratégias. O mercado vivenciou a entrada de seguradoras multinacionais que se instalaram no Brasil, na grande maioria das ocasiões, utilizando estratégias de associação.
Não vou alongar-me na enumeração dos diversos fatores que contribuíram para justificar a fraca participação do setor no PIB (GNP) nacional que ficou estagnada por tantos anos ou justificar os avanços da indústria, senão perderei o foco do que pretendo tratar neste artigo. 
            Voltando ao tema da logística do mercado segurador, sem sombra de dúvidas, o Código de Defesa do Consumidor foi determinante na cadeia do processo de transformação na relação com o consumidor, pois exigiu que as Seguradoras caminhassem ao encontro de conceitos mais eficazes na relação com o segurado para atrair seus clientes.
Neste sentido, a cultura de atendimento baseada em conceitos de Efficient Customer Response- EFR ou de Just In Time foi a solução encontrada pelo mercado para atender o nível de exigência cada vez maior dos segurados. São inegáveis os avanços na qualidade do atendimento ao cliente desde minha entrada no mercado segurador. Antes da promulgação do Código de Defesa do Consumidor, o processo burocrático para o pagamento dos sinistros prejudicava em demasia a imagem das seguradoras levando desconfiança ao segurado e contribuíam decisivamente para emperrar o crescimento do setor.
As seguradoras evoluíram muito neste quesito, atribuindo mais criatividade aos produtos, inovação, qualidade por meio da diversificação dos canais de venda, acessibilidade, entre outros. Entretanto, gostaria de destacar uma preocupação na qualidade de consumidor de produtos de seguro e de profissional do setor, e que tem convicção de que a indústria tem capacidade de elevar significativamente sua participação no PIB (GNP).
 É preciso que algumas seguradoras reavaliem os critérios de seleção de seus prestadores de serviços, caso contrário, o investimento na terceirização dos serviços como medida comum adotada pelo mercado para reduzir os custos operacionais trará algumas dificuldades para determinadas seguradoras, inclusive de grande porte.
Tenho ouvido críticas recorrentes e bem fundamentadas sobre a qualidade da prestação de serviços prestados por agentes terceirizados que não deveriam ocorrer no atual ambiente de negócios, onde o consumidor e o corretor são elementos fundamentais para o desenvolvimento do setor.
A péssima qualidade na prestação dos serviços prestados por alguns credenciados das seguradoras têm prejudicado demasiadamente o corretor na realização de seu trabalho. O corretor na condição de intermediador da operação de seguros é corresponsável legalmente pelo cumprimento do contrato na condição de agente importante na operação de venda de um produto de seguro para seu cliente. Muitas vezes a ineficiência dos serviços prestados por terceirizados têm trazido desgastes desnecessários ao Corretor na relação com os segurados; e o que é pior prejudicando a sua imagem, tornando-o vilão, de forma injusta. Convenhamos, não é justo que assuma para si tal papel pela falha na prestação do serviço prestado por um terceirizado credenciado pela Seguradora.
São preocupações justas que devem ser tratadas com diligência e eficiência pelos responsáveis das seguradoras na seleção dos seus prestadores de serviços.
É inconcebível nos tempos atuais ocorrer, com frequência, relatos de má qualidade no atendimento prestado por algumas empresas terceirizadas credenciadas pelas seguradoras ao segurado. Basta fazer uma consulta aos sites de proteção ao consumidor ou consultar seu corretor de seguro para constatar tal realidade.
 Queixas que variam desde um atendimento simples ao segurado que sofreu um acidente em um determinado ponto da cidade e aguarda por longas horas a chegada do serviço de assistência da empresa terceirizada, porque o credenciado não dispõe sequer de um GPS para chegar ao local de atendimento, ou em situações mais graves como a demora do terceirizado na emissão de um laudo técnico que muitas vezes é emitido com graves inconsistências no argumento para recusar uma indenização de lucros cessantes, postergando a decisão para os tribunais de justiça.
A atividade de seguros é suscetível à percepção própria que o cliente tem do serviço que lhe é prestado como em qualquer atividade de serviços. A excelência e qualidade do atendimento às necessidades do cliente são fatores fundamentais para determinar o grau de satisfação ou insatisfação ao serviço que lhe é prestado.
Muitas seguradoras na área de especialização que escolheram atuar têm feito um excelente trabalho na prestação de atendimento de alta qualidade, muitas vezes superando as melhores expectativas de seus clientes. Neste sentido, gostaria de destacar uma em especial em vista da questão que coloquei em discussão em 1990, conforme descrevi no terceiro parágrafo deste artigo, pois essa empresa se tornou referência de mercado na área em que escolheu atuar.
 Ela foi a primeira empresa do mercado que deu conta do filão que representava os taxistas para explorar o mercado, comprovando meu argumento junto ao interlocutor do grupo que eu fazia parte na comissão da FENASEG que refutou a tese que defendi na ocasião. Relembrando-os, que a despeito do fator maior de exposição ser uma variável na determinação do preço de um produto, a variável comportamento pode e deve ser um aliado de peso no processo de determinação do preço de um produto.  
São inúmeros os depoimentos de excelência na qualidade de serviços no atendimento prestado por essa empresa ao seu cliente. Entre eles gostaria de citar um que tive acesso e que comprova o elevado grau de comprometimento na prestação de um serviço de excelência.
Uma segurada teve problemas com o seu carro em um local da cidade e acionou o serviço de atendimento dessa empresa para obter o telefone da seguradora na qual seu carro estava segurado. Percebendo a aflição da segurada, a representante da empresa não hesitou em acionar o serviço de assistência da Seguradora para atendê-la e, embora o carro da segurada não estivesse segurado na companhia, o serviço foi prestado como se o carro fosse segurado pela companhia.
 O que levou a assistente a tomar tal decisão? O que essa empresa faz de diferente para ter tanto sucesso com o produto que oferece ao mercado de seguros de automóveis? Certamente a fixação de uma cultura comprometida com a qualidade e a excelência dos serviços prestados ao consumidor.
Para uma seguradora ter sucesso nos negócios e atingir um crescimento sustentado no curto, médio e longo prazo, além de possuir produto criativo, preço competitivo e saber explorar com eficiência a promoção de seus produtos por meio dos canais de venda que dispõe é preciso ter qualidade no atendimento ao cliente, quando este precisa; caso contrário, o esforço de equipe de todos dentro da organização ficará comprometido. Por quê? Porque não selecionou de forma eficiente um terceirizado que não dispõe das credenciais necessárias para representá-la junto ao seu segurado.

Marco Pontes é diretor da LG&P Advisory Services. É membro do IBA e da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP. Email: marco.pontes@lgpconsulting.com.br. Blog: marcoponteslgpconsulting.blogspot.com. Twitter @MarcodePontes.  

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