quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Qual foi a lógica na ilógica decisão do CNSP quanto ao Resseguro?


O Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP publicou as Resoluções nº 224 e 225, em 6 de dezembro de 2010 deixando atônitos os resseguradores internacionais que se instalaram no Brasil nos últimos anos e alguns profissionais do mercado, no qual me incluo. O teor das Resoluções é curto. A Resolução nº 224 diz o seguinte “Art. 1º. O art. 14º da Resolução CNSP Nº 168, de 1° de dezembro de 2007, passa a vigorar acrescido do seguinte § 4º”:
“§4o As responsabilidades assumidas em seguro, resseguro ou retrocessão no País não poderão ser transferidas para empresas ligadas ou pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro sediadas no exterior.”
A Resolução nº 225 destaca: “Art. 15. A sociedade seguradora contratará com resseguradores locais pelo menos quarenta por cento de cada cessão de resseguro em contratos automáticos ou facultativos.” (NR).
O CNSP é presidido pelo Ministro da Fazenda. Na sua ausência pelo Superintendente da SUSEP. Além do Ministro da Fazenda, o CNSP é composto por um representante do Ministério da Justiça, um representante do Ministério da Previdência e Assistência Social, o próprio Superintendente da SUSEP, um representante do Banco Central do Brasil e um representante da Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Afinal, qual terá sido a motivação para eminentes personagens publicar as medidas?
Confesso minha surpresa com o teor do instituto publicado. Em primeiro lugar, por contrariar a forma habitual que o CNSP conduz assuntos de natureza polêmica. Ao longo do mandato do governo Lula é fato que agiu, acertadamente, com cautela e transparência nos assuntos polêmicos. Isto é, levando à audiência pública para discussão com o setor antes da publicação de assuntos dessa natureza. No caso em questão, o CNSP apenas publicou a norma.
Eu li, atentamente, os diversos artigos publicados sobre o tema e optei por refletir por mais tempo para expressar minha opinião. Fiz isso por duas razões. Tinha um pouco de esperança que a situação fosse revista e, também evitar precipitações comuns. O tempo passou e concluí que a motivação foi eminentemente política, mas não em função do que é melhor para o Brasil.
Gostaria de ter mais subsídios para entender o pensamento do legislador quanto às motivações que levaram à publicação da referida norma. Vamos supor que o legislador estivesse descontente quanto ao desempenho dos resseguradores internacionais que se instalaram no Brasil. Se isso fosse verdade por que não expressou o seu descontentamento? Por que o legislador no fim do mandato do governo que propiciou a abertura do mercado emitiu uma norma, sem discussão com o setor e que de certa forma recoloca o resseguros no mesmo status quo que se encontrava antes da abertura?
Todos nós acompanhamos as dificuldades que representou a abertura do mercado. Em 1998 era esperada a abertura que não aconteceu por pressão política. Finalmente em 2007 o assunto foi retomado. Por outro lado estamos cientes que a iniciativa de uma empresa para se instalar em um país representa um somatório de investimentos. O que se espera em troca? Um cenário de estabilidade que compense os investimentos realizados.
Sob essa perspectiva, a decisão pode ser compreendida como um retrocesso, pois coloca em xeque todo o esforço realizado para a abertura do setor. O mais preocupante é a instituição de um cenário de instabilidade desnecessário.
Dificilmente os resseguradores que não estão constituídos sob a forma de ressegurador local investirão capital suficiente para se tornarem competitivos no Brasil; até porque não faria qualquer sentido abrir mão da capacidade que detém em suas matrizes para administrar o risco.
Por um lado, a medida é uma ducha fria para as empresas que já se instalaram no Brasil, acreditando na seriedade da abertura do mercado. Por outro lado, fecha definitivamente a porta de entrada de novos resseguradores que avaliavam a intenção de se instalar no Brasil.
Lembro que por ocasião da abertura do mercado em 2008 foram concedidas diversas vantagens ao IRB para que pudesse estar preparado adequadamente para competir com os resseguradores internacionais. Na ocasião, foi uma decisão razoável, isto é oferecer vantagens para dar fôlego e musculatura ao IRB que não teria as mínimas condições de competir em igualdade de condições com os grandes resseguradores internacionais. O privilégio de atuar sozinho por tantos anos no mercado brasileiro trouxe uma inércia natural. Contudo hoje isso não faz sentido algum.
Sob o contexto histórico é fato que o mercado de seguros e resseguros vivenciou uma paralisia crônica ficando estagnado por décadas e com participação pífia em relação ao PIB. Por que, então criar novas barreiras para represar o crescimento do setor? Quais foram às motivações que levaram o CNSP a tomar tal medida? Privilegiar os grupos nacionais? Como fica a competitividade do mercado e, finalmente como fica a imagem do Brasil no exterior após essa decisão?
Não tenho dúvidas que a repercussão foi negativa, pois os investidores certamente terão o direito inequívoco de interpretar a medida como uma demonstração clara de falta de seriedade e descaso ao esforço que tais empresas realizaram ao acreditar na abertura do resseguro no Brasil. Comparações com atitudes tão comuns ao governo de Hugo Chaves são inevitáveis.
A decisão do CNSP leva a concentração das operações de Resseguro ao IRB novamente. Tal concentração não é boa para o Brasil. Poucos dias atrás conversando com meu filho de 14 anos de idade ele perguntou: “Pai, por que o preço do LCD ficou tão mais em conta daquela ocasião que viemos comprar”? Por causa da competitividade, respondi.”
A competitividade em qualquer esfera deve ser incentivada, caso contrário, decisões dessa natureza como a que o CNSP tomou nos levarão de volta aos tempos da Lei de Mercado de Informática que criou um abismo em termos de Tecnologia para o Brasil. Afinal, que modelo nós desejamos construir para o país? Um modelo altamente concentrado? Certamente que não. Esse modelo pode ser bom para a Venezuela, mas, definitivamente não é o modelo que o Brasil deve seguir para que a população, as empresaas e o mercado usufruam dos benefícios que a competitividade proporciona.
Se a decisão for mantida, no mínimo os investidores internacionais terão o direito de pensar muito antes de vir se instalar no Brasil, pois se foi possível tomar uma atitude tão protecionista e xenófoba na atividade de resseguros, por que não é possível que decisões semelhantes sejam tomadas em relação a outros setores da atividade econômica que são igualmente importantes para o desenvolvimento do país? Convenhamos o Brasil não precisa ter que lidar com esse tipo de dúvidas novamente. A custa de muito esforço o governo atual trabalhou no sentido de mudar essa imagem negativa que o país possuía no exterior. O CNSP e a SUSEP realizaram um excelente trabalho ao longo dos últimos anos. Todavia, valendo-me de uma expressão do futebol a publicação da Resolução nº 224 pode ser interpretada como “bola fora".
O país tem grandes desafios para superar nos próximos anos. Eventos importantes como a Copa do Mundo e as Olimpíadas necessitarão de grandes investimentos em infraestrutura. O mercado de seguros e resseguros tem um papel desafiador sob esse contexto.
Estamos às vésperas de um novo governo assumir. Com o novo governo espera-se uma nova composição do CNSP. Até por conta de estarmos em contagem regressiva para 2011, mantenho minha esperança que os novos representantes do CNSP revejam o ponto de vista em relação à medida publicada em 6 de dezembro de 2010, restaurando a credibilidade que tanto precisamos; pois não há dúvidas que a medida não foi boa para o Brasil, visto que, salvo melhor juízo, representou um retrocesso em relação aos avanços realizados desde 2008 e, especialmente, por fomentar um clima de instabilidade para os investidores internacionais. O Brasil precisa de competitividade e da expertise internacional.
Concluindo, gostaria de deixar um alerta para os representantes da indústria de resseguros no Brasil. No atual ambiente empresarial não existe mais espaço para a ingenuidade. É preciso que vocês se mobilizem no sentido de criar uma liderança forte para defesa dos seus interesses, caso contrário, pagarão um preço elevado por desprezar os aspectos políticos do negócio em que atuam. A omissão gerará como consequência tais situações.
Restam dois dias para 2010 acabar. O ano de 2011 está chegando e a ocasião é propícia para fazer o dever de casa. Organizem-se!
Para melhor compreender o tema sugiro aos leitores a leitura dos artigos que constam dos links a seguir. Entre os que eu tive a oportunidade de ler foram os melhores que abordaram o tema.

Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).
Twitter: @MarcodePontes
Skype: Marco.Antonio.Pontes

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A SUSEP emitiu 7 (sete) Circulares entre os dias 23 e 24 que afeta todo o mercado.

         Ao longo do ano todo o mercado aguardou com certa ansiedade a emissão de novos institutos para o setor. Entre eles eu aguardava a norma que trata de risco de crédito.  A norma sobre risco de crédito não saiu, mas o resumo abaixo demonstra o grau de comprometimento da SUSEP no aperfeiçoamento das regras para um mercado que tem tudo para dobrar em curto espaço de tempo o nível de representatividade no PIB.

CIRCULAR No- 410, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2010
Institui o teste de adequação de passivos para fins de elaboração das demonstrações financeiras e define regras e procedimentos para sua realização, a serem observados pelas sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar e resseguradores locais.

Análise resumida: O LAT é uma das circulares mais esperadas pelo mercado em vista da adoção do IFRS. Ficam de fora do LAT, o DPVAT, DPEM e SFH/SH e os planos de previdência privada e de seguros de vida constituídos sob forma, exclusivamente financeira, isto é: com financiamento eminentemente financeiro na fase de capitalização e que ofereçam coberturas de benefícios na forma de renda certa. A norma foi bem escrita é não dá margem a dúvidas. Todos os componentes estão claramente descritos e previstos na redação constituindo-se em uma receita.
A Circular prevê o emprego do valor intrínseco, isto é, o valor que a opção teria caso fosse exercida na data-base e o valor do tempo que reflete a possibilidade de que a opção ganhe valor intrínseco e seja exercida antes do seu vencimento. Em linhas gerais, valor intrínseco para opções de compra é a diferença entre o preço do ativo e o preço de exercício. Se esta diferença é um valor positivo, caso contrário o valor intrínseco é nulo. Para as opções de venda é a diferença entre o preço do exercício e o preço do ativo, se esta diferença é um número positivo, se não o valor intrínseco é nulo. Outra definição que podemos considerar é a diferença entre o valor justo das ações pela qual a contraparte tem direito (condicional ou incondicional) de subscrever, o direito de receber, e o preço (se existir) que a contraparte tem que pagar por essas ações. Por exemplo, uma opção de ação tem um preço de exercício de R$ 30, e a ação tem um valor justo de R$ 40, logo o valor intrínseco é R$ 10.
         Destaca-se no item que trata do fluxo de caixa, a possibilidade do emprego de valores nominais. Quando isso ocorrer instrui o emprego de estrutura a termo de taxa de juros livre de risco pré-fixada. Neste caso, as sociedades poderão utilizar a estrutura a termo de taxa de juros livre obtida dos contratos de swap (derivativos) e futuros registrados na BM&BOVESPA.

CIRCULAR No- 411, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2010
Dispõe sobre os critérios de apuração do capital adicional baseado nos riscos de subscrição das sociedades seguradoras, alterando os anexos da Resolução CNSP no 158, de 26 de dezembro de 2006, de forma a adaptá-los à codificação de ramos de seguro instituída pela Circular SUSEP no 395, de 03 de dezembro de 2009, e dá outras providências.


CIRCULAR No 412, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2010
Dispõe sobre instruções complementares para plano corretivo de solvência e plano de recuperação de solvência.

Análise resumida: Nada para acrescentar. Afeta as sociedades seguradoras que foram afetadas pelas regras do risco de subscrição, isto é que estão sob regime de plano corretivo de solvência ou de recuperação. Entretanto, eventualmente por força da Circular n. 411 é possível que gere impacto para algumas sociedades.

CIRCULAR No- 413, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2010
Dispõe sobre as instruções complementares necessárias ao cálculo do capital adicional
baseado nos riscos de subscrição das sociedades seguradoras e dos resseguradores
locais.

Análise resumida: É uma norma derivada aplicável às sociedades seguradoras e resseguradoras que tenham menos de 12 meses de operação e as sociedades que estão em processo de fusão ou incorporação.

Adicionalmente no dia 24 publicou as Circulares, 414, 415 e 416. Os links das Circulares constam abaixo.

Circular 414
Link: http://www.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=27466
Ementa: Dispõe sobre instruções complementares necessárias à execução das regras de cálculo dos riscos de subscrição dos resseguradores locais.

 
Circular 415
Link: http://www.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=27467
Ementa: Altera o artigo 9º da Circular SUSEP nº 395, de 3 de dezembro de 2009.
 
Circular 416 
Link: http://www.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=27468
Ementa: Altera a Circular SUSEP n. 365, de 27 de maio de 2008.

A íntegra das Circulares publicadas no dia 23/12 constam das páginas 85 e 86 do Diário Oficial de 23 de dezembro de 2010 e, provavelmente do site www.susep.gov.br. Vale conferir. Todas as circulares acima entram em vigor a partir de 1 de janeiro de 2011.

Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).
Twitter: @MarcodePontes
Skype: Marco.Antonio.Pontes

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Sobre erros e acertos na vida profissional

    
       Todos nós nos deparamos com momentos chaves na trajetória profissional que impõe decisões difíceis de fazer. A fronteira entre uma decisão acertada ou errada no âmbito profissional ou mesmo em qualquer esfera da vida é muito sutil.  Eu acredito que o sucesso na vida profissional se deve ao esforço pessoal, dedicação e disciplina para o estudo como a grande maioria das pessoas de sucesso.
       Contudo, em muitas ocasiões, o fator sorte é um forte aliado das grandes conquistas. Por outro lado, a sucessão de sucessos pode resultar em uma espécie de sentimento de onipotência. A onipotência que faço referência não tem nenhum propósito religioso, mas profissional. Sob esse contexto, representa o somatório de sucessivas vitórias ao longo da experiência de vida pessoal e profissional que está presente com freqüência naqueles profissionais que se destacam nas áreas de atuação que optou trabalhar. Ela compõe o perfil de executivos de sucesso.
       Todavia, a competência aliada à sorte pode resultar na onipotência. É um sentimento comum que se não for bem administrada pode se tornar tóxica. Ela gera uma espécie de sensação de que tudo sempre dará certo, isto é, um sentimento inabalável que independente das circunstâncias ou conjecturas, o profissional se sente imune aos fatores exógenos que possam de alguma forma se tornar um empecilho, quanto aos seus planos e estratégias.
       É comum entrar em cena, o otimismo exacerbado que pode com freqüência mascarar a realidade dos fatos que antecede uma decisão.
       O combustível natural que abastece o sentimento de onipotência é composto por uma variedade de insumos. Só para citar alguns: persistência, dedicação, obstinação, estudo, aprimoramento contínuo e, sobretudo, o otimismo, entre outros ao longo da jornada profissional. Inegavelmente, tais atributos são características essenciais para alcançar o sucesso. Por outro lado com o passar do tempo podem trazer junto, o orgulho e a vaidade que alimenta o ego. Administrar a onipotência, portanto não é uma tarefa tão simples como á princípio pode parecer.
        De certo modo somos constantemente alvo de observação, análise, avaliação e julgamento no ambiente que vivemos. No mundo corporativo não é diferente. Acrescente-se a isso que ele nada tem de ingênuo, especialmente em vista do ambiente corporativo se tornar cada vez mais competitivo. Dependendo da visão de mundo que possuímos, isto é, da experiência de vida pregressa com a qual lidamos com esses fatos somos mobilizados por uma razão ou outra a tomar decisões. 
        Quando uma decisão resulta em sucesso é fácil avaliar. Por conseguinte não temos o hábito de perder muito tempo diante dessas situações. Já lidar com o fracasso exige muito mais. Lidar com o fracasso é um desafio, pois tendemos adotar uma postura defensiva. Algumas das reações mais comuns são: insistir em não reconhecer o erro, pois isso, invariavelmente conduz ao agravamento da situação. Outro erro muito comum é crer que o mundo conspira contra você.  As pessoas têm suas prioridades e não podem ser responsabilizadas por eventuais fracassos de outrem ao lidar com uma decisão que se mostrou equivocada. Na maioria das vezes essa postura leva ao isolamento e ao agravamento da situação e, certamente não contribui em nada para solucionar o problema. Delegar o fracasso a fatores exógenos, ao imponderável ou ao azar é outro equívoco muito comum. 
        Eu poderia enumerar uma dezena de situações que pode levar um profissional de sucesso sucumbir diante das experiências negativas que uma determinada decisão trás, mas de nada adiantaria relacioná-las. São situações muito pessoais que servem de experiência de vida para um reposicionamento diante da carreira profissional.  
        Entretanto, deixar tais situações em branco pode fazer com que o profissional fique aprisionado em uma daquelas atitudes defensivas que fiz referência, e que não conduz a resultado algum. Quem passou por dificuldades, advindas de uma decisão profissional sabe que somente é possível realizar uma autocrítica isenta em um estágio mais adiantado das conseqüências de tal decisão. Só assim é possível ter lucidez.
        Se, eventualmente estiver vivendo uma dessas situações e não desejar ser o coveiro da própria cova ou tornar assento fixo na legião de pessimistas, cuja fileira aumenta, consideravelmente nessas situações críticas, a única resposta que tenho para compartilhar com vocês é. Não desistam. Por mais que a situação pareça sem saída, certamente sobram motivos para não sucumbir diante de um desafio dessa natureza, pois certamente, o momento contribuirá de forma inequívoca para o seu aprimoramento na condição humana e profissional, caso contrário, a derrota é inevitável.
       Normalmente, tais momentos são ricos em aprendizado. Algumas lições que podem ser aprendidas nessas situações.  Não somos tão humildes, quanto pensamos. Que somos mais orgulhosos que acreditávamos que fôssemos e, finalmente que muitas vezes é preciso ter mais cautela ao lidar com questões práticas.  Portanto, vale o alerta para quem é mais jovem e busca sucesso na sua carreira. Vibrem com suas vitórias, mantenham-se otimistas, mas fiquem atentos ao sentimento de onipotência que costuma acompanhar as conquistas ao longo da carreira profissional. Humildade, competência, estudo, dedicação, lealdade e ética sempre serão fundamentais em qualquer esfera da vida. Seja pessoal ou profissional.

Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).
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domingo, 5 de dezembro de 2010

Oportunidades sob a perspectiva do risco atuarial

             Os investimentos realizados pelas grandes corporações e instituições emergentes em qualquer área da atividade econômica são motivados em função de dois vetores. Iniciativa própria em face à crescente complexidade do mundo dos negócios ou por força de mudanças no ambiente regulatório.
            Tecnologia, capacitação, capital humano, produtos, serviços, qualidade, eficiência, otimização e produtividade, entre outros, são temas que constam  na pauta de preocupação diária dos gestores estratégicos.
            Por outro lado é mais frequente a ação dos orgãos reguladores no sentido de regular o mercado de modo a proporcionar maior transparência, incentivo à prática de boa governança corporativa e segurança que têm gerado, sem sombras de dúvidas mais oportunidades.
As exigências dos órgãos reguladores buscam oferecer maior segurança ao mercado e melhor governança. No âmbito das seguradoras e entidades financeiras Sox 404, IFRS, Basileia II e Solvência II são excelentes oportunidades para serem exploradas. Todavia, todas elas geram outras oportunidades no âmbito da gestão de risco. E o risco atuarial é uma dessas oportunidades que não deve ser menosprezada pelas instituições, pois é sabida a importância que possui.
Sob a perspectiva das instituições financeiras que buscam um sistema de gestão mais eficiente: o risco atuarial está presente sob as seguintes perspectivas. Seja como acionista (na forma de seguradora ou entidade de previdência), empregador (ao contabilizar benefícios pós-emprego oferecidos aos empregados) ou gestor financeiro (ao definir a política de investimentos de ativos), os bancos e as seguradoras encaram a questão como fator crítico, uma vez que a ausência de um monitoramento dos riscos atuariais pode comprometer a saúde financeira da instituição.
É nesse cenário que bancos e seguradoras estão se preparando para a farta exigência de Basiléia II e de Solvência II, que privilegiam a mensuração de riscos. São mudanças importantes para essas indústrias e que demandam uma análise não apenas sob a perspectiva da gestão atuarial, mas da organização como um todo.
Basiléia II estabelece, em linhas gerais, novas regras para as áreas de gerenciamento de risco e supervisão bancária, de modo a conferir maior segurança e estabilidade ao sistema financeiro internacional. Já Solvência II, pacote de medidas para aprimorar o sistema de solvência de empresas de seguro da União Européia, tem como meta desenvolver um sistema para determinar o montante de capital que cada segurador deveria possuir para garantir que os segurados estejam adequadamente protegidos.
As mudanças em relação ao que existia são drásticas, mas ao prestar essa garantia Solvência II incentiva a melhoria da gestão de riscos das empresas de seguro, exigindo que elas divulguem informações adicionais para aperfeiçoar sua transparência.
No Brasil, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) após ter introduzido a necessidade de tratar o risco de subscrição, trabalha no risco de crédito cujas regras deverão ser publicadas ainda este ano. Portanto há muito trabalho a ser feito.
            As áreas de risco das instituições financeiras terão de buscar maior capacitação para monitorar o risco atuarial em conjunto com os demais riscos. Um diagnóstico realista indica que o assunto ainda tem sido visto como tabu pelos controladores de riscos dessas empresas. Ainda persiste uma visão superficial sobre o tema, o que contribui para a ausência de seu monitoramento ou para a sua fraca priorização. Como resultado, o risco atuarial tem sido freqüentemente subestimado. O tema não deve permanecer estigmatizado ou renegado a um nível secundário, pois requer preocupação, iniciativa e priorização por parte dos gestores.           
Seja sob a perspectiva do Acordo de Basiléia II ou de Solvência II surge a oportunidade de derrocar esse tabu. Acreditamos que, em razão da abordagem enfaticamente orientada à mensuração de riscos inerente ao Acordo de Basiléia II, Solvência II e às normas que a Susep pretende implantar, as organizações que priorizarem o risco atuarial em suas agendas terão dado um passo importante para tornarem-se mais seguras. Portanto, as áreas de auditoria interna dessas organizações precisam ter atuários preparados para cobrir essa importante lacuna.

Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).
Twitter: @MarcodePontes
Skype: Marco.Antonio.Pontes



sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Especialização de atuários em gestão de risco na área financeira

     A partir do último trimestre de 2010, o mercado deu uma aquecida. Antes o aquecimento alardeado pelo governo estava restrito à industria da construção civil, mas de fato a procura por profissionais mais qualificados em diversas áreas tem prosperado. Entre as oportunidades identificadas, destaco a área de risco que se encontra bastante aquecida. Os bancos por força de Basileia II e as Seguradoras por força de Solvência II estão precisando de profissionais qualificados em modelagem de riscos para atender às demandas Internal Risk Based preconizada em ambos institutos. As dificuldades para identificar profissionais é grande.
      O atuário, infelizmente tem sido requisitado apenas para o desenvolvimento de modelagem do risco de subscrição o que é uma pena. Está na hora das universidades preparar de forma mais adequada profissionais para atuarem na modelagem dos riscos de mercado e de crédito onde existem grandes lacunas. A SUSEP irá exigir das seguradoras, provavelmente a partir do ano que vem o risco de crédito que é um pouco diferente dos modelos adotados pelos bancos, pois na atividade de Seguros, o risco é da contraparte e está restrito as operações de cosseguro e resseguro. Portanto se você é atuário não deixe explorar essas oportunidades, especialmente nos bancos onde o risco de crédito cobre uma vasta área, tais como: varejo, corporate, cartões de crédito e diversos produtos. Vale o alerta para o IBA assumir para si o desafio de promover cursos de formação e ao atuário de forma independente se preparar melhor por iniciativa própria para atuar nesta segmentação de serviços hoje ocupada por matemáticos, estatísticos e engenheiros. Quem se aventurar em seguir nesta linha poderá constatar que vale a pena. Somente desta forma podermos ampliar nossa capacidade de melhor contribuir para a sociedade e reescrever a definição da profissão. Um abraço. 

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Resseguro e as Entidades Fechada de Previdência Complementar

A Lei Complementar n° 109 de 2001 introduziu novas figuras na legislação de previdência complementar, de modo a permitir as condições necessárias à disseminação de novas entidades de previdência complementar no Brasil. Era necessário promover novas mudanças no quadro regulatório, visto que a Lei n° 6.435/77 já não atendia a realidade das entidades sob diversas perspectivas. Uma das principais motivações da Lei Complementar foi alinhar a realidade sócio econômica do país às Entidades de Previdência Complementar – EPC´s. O processo de globalização produziu profundas mudanças nas relações do ambiente de trabalho, impactando de forma sistemática as Entidades. Por outro lado, a Lei n° 6.435/77, não dispunha dos instrumentos necessários para acompanhar tais mudanças no ritmo que ocorreram.
Um dos principais méritos da nova legislação foi a criação de novos institutos, dentre eles, destacamos; a portabilidade, o benefício proporcional adquirido - BPD e a possibilidade das EPC’s, por meio do artigo 11, contratar operação de resseguro no mercado. Indo mais longe, conforme previsto no parágrafo único deste artigo, quando se tratar de Entidade Fechada de Previdência Complementar - EFPC, a possibilidade de ser instituído um fundo de solvência, ainda, dependente de regulamentação. No que tange aos princípios gerais da Lei Complementar n°109, há que salientar, ainda, que ela é fortemente orientada no sentido da ação do Estado estar voltada para proteger os interesses dos participantes, reforçando a função orientadora do Estado, seja através da ação do órgão normativo ou do órgão fiscalizador.
Servi-me desse preâmbulo para contextualizar a importância que o Estado deu a nova legislação para o setor de previdência complementar e compartilhar com os leitores a respeito de uma discussão travada, recentemente com alguns colegas de profissão, dentre eles; representantes de Seguradoras, Resseguradoras e Consultores, sobre a questão envolvendo as operações de resseguro entre EPC’s e Resseguradores de forma direta, ou seja, sem haver necessidade do processo passar por uma Seguradora.
Um fato que chamou minha atenção foi a forma, veemente, com a qual, alguns colegas de mercado se posicionaram quanto ao tema. Penso que defender a posição de que as operações de resseguro deve necessariamente passar por uma seguradora é precipitada no atual contexto em que se encontra o mercado.
Afinal, qual o sentido do resseguro?  Resseguro é o caminho de transferência ou cessão de riscos financeiros e atuariais entre entidades que administram riscos relativos a seguro de bens (propriedades, carros, etc..) e/ou aqueles associados à vida (morte, invalidez, longevidade, etc..) de uma entidade administradora de risco para outra, no caso, o Ressegurador. Tradicionalmente, uma transação de resseguro é definida entre duas administradoras de risco, onde o Segurador vende parte do risco assumido para um Ressegurador. De forma primária, o Segurador e Ressegurador podem, a partir dessa relação estabelecida, contratualmente, dividir os ganhos e perdas de uma determinada operação.
Em suma, o objetivo principal do resseguro é reduzir os passivos que as EPC possuem. Sob essa perspectiva, penso que no momento atual é uma discussão inócua, em vista da situação de mercado. Baseio minha afirmação no fato de que as EPC’s nos últimos anos têm procurado fugir dos passivos atuariais. Seja pela reforma que implementaram no desenho de seus planos ou pela falta de padronização dos planos de benefícios. No decorrer das últimas décadas as EFPC’s mudaram drasticamente os desenhos de seus planos de benefício definido para contribuição definida pura. Esse processo teve início há uma década atrás. O mesmo ocorreu com as Entidades Abertas de Previdência Privada – EAPC. Em ambos os casos, entendo não haver o que ressegurar, visto que os modelos de planos de benefícios passaram a ser, basicamente financeiros. O risco deixou de ser das EPC’s em ambas vertentes Abertas ou Fechadas e passaram a ser assumidos, diretamente pelos participantes dos Planos, tanto na fase de capitalização, quanto na fase de percepção da renda que passou a ser temporária. O risco da longevidade e da taxa de rentabilidade que são os principais componentes para formação de passivos de risco, praticamente deixaram de existir. Mesmo nas coberturas de risco por morte ou invalidez, prevalece como benefício o recebimento do saldo do fundo financeiro acumulado ou de uma renda temporária, resultante do que o fundo foi capaz de produzir até a ocorrência do evento gerador morte ou invalidez. Entendo que isso é um equívoco por parte do Segurador, visto que o mercado tem condições de oferecer coberturas mais sofisticadas e com sentido de proteção mais apropriado do que aqueles que hoje predominam no mercado.
 De que forma um indivíduo ou seus dependentes podem ficar protegidos, se o evento gerador ocorrer de forma prematura? Não há produto disponível para atender essa demanda. A situação torna-se mais dramática, especialmente sob o contexto do atual cenário de crise que afetou fortemente a rentabilidade dos planos de contribuições definidas. As Seguradoras e o Estado deveriam dar mais atenção a esse assunto – não é ao meu juízo justo que os participantes arquem, integralmente com esse risco. Acredito que as Seguradoras podem ser mais criativas na oferta desses produtos. É um desafio que terão à frente nos próximos anos, caso contrário, inevitavelmente as Resseguradoras ocuparão esse espaço.
O que resta então para ressegurar? Uma parcela ínfima dos planos de benefícios definidos existentes no mercado. Em uma primeira instância, as seguradoras seriam, em tese, os principais interessados em explorar essa brecha, desenvolvendo produtos mais atraentes para as EPC’s. Contudo não exploraram essa oportunidade na época em que os planos de benefícios definidos predominavam, por que fariam agora? Por causa da entrada das Resseguradoras? De fato não sei, mas a falta de interesse e da oferta de produtos compatíveis com essa finalidade é resultante do fato de que em sua grande maioria, escapam raras exceções, as Seguradoras, procuraram fugir do risco o que é um paradoxo, visto que a matéria prima das Seguradoras é na sua essência o risco.
Diante disso, penso que sendo uma EPC, uma administradora de risco, qual seria o impedimento de contratar diretamente o resseguro junto a uma Resseguradora? O fato das EPC’s não estarem definidas como Seguradoras? Acredito que essa resposta não justifica a defesa veemente de que a operação de resseguro deve ser intermediada por uma Entidade Seguradora, pois de fato uma EPC possui o mesmo propósito que uma Seguradora de Vida. A única diferença é que seu foco é restrito a um determinado grupo de pessoas ou empregados, mas o risco de sobrevivência, que é um de seus focos permanente de preocupação é o mesmo de uma Seguradora de Vida.
Da mesma forma é alvo de preocupação, o risco de obtenção de taxas de retorno no médio e longo prazo de modo a manter os compromissos assumidos com seus segurados, no caso, os participantes da Entidade. Muito mais pela falta de ousadia do mercado Segurador, penso que aqui existe um campo fértil para os Resseguradores atuarem, pois, em tese, possuem uma política de subscrição de riscos mais ousada e a experiência internacional as credenciam a oferecer produtos mais atrativos para o mercado. Partindo da definição do que é uma operação de resseguro, elas podem vir a ser de fato uma alternativa para as EPC’s, muito mais por falta de ação das Seguradoras do que um impedimento legal que acredito não existir, atualmente na legislação brasileira.

Acredito que é uma questão de tempo, a comercialização de soluções para proteção ou minimização dos passivos associados aos planos de benefícios definidos de EPC’s. Caso os Seguradores não tomem a iniciativa, os Resseguradores o farão.
É importante ressaltar que um dos propósitos para promover a abertura do mercado de resseguro à iniciativa privada foi aumentar a competitividade no mercado de modo que a sociedade pudesse dispor de mais opções para sua proteção. Para o consumidor pouco importa, se o produto é oferecido por uma Seguradora ou Resseguradora, é indiferente. O que importa para ele é que o produto esteja disponível e seja acessível no mercado.
A utilização dos superávits dos planos de benefícios definidos, por exemplo, poderia viabilizar a compra de produtos que tenham a finalidade de proteger os riscos de longevidade das rendas vitalícias e das taxas de rentabilidade no médio e longo prazo, visto que as taxas de rentabilidade serão fortemente reduzidas no longo prazo. O principal desafio aqui é estabelecer a medida técnica de co-participação nos déficits técnicos entre Segurador e/ou Ressegurador junto às EPC’s.
Quanto à viabilidade do fundo de solvência, penso ser o caminho mais penoso, pois ele só seria viável com fortes subsídios do Estado nos moldes do crédito imobiliário, em que o Estado tem uma importância vital. Um fundo privado, considerando que não há maturidade do mercado, nem escala parece ser inviável no momento.
Os instrumentos legais para viabilizar a operação de resseguro entre EPC’s e Resseguradores são uma realidade. A operação está amparada pela Lei Complementar n° 109/2001 e a Lei Complementar n° 126/2007. O fato desse tipo de operação estar restrita aos Resseguradores Locais que poderia ser visto como uma vantagem competitiva é perfeitamente compreensível. Apesar dos esforços de investimento feito por aqueles Resseguradores que se instalaram sob a forma de admitidos ou eventuais foi uma forma do regulador diferenciar aquelas que se constituíram como local, em vista de demonstrarem de forma inequívoca mais confiança no mercado brasileiro e de evitar a evasão fiscal.


Marco Pontes é diretor da LG&P Advisory Services e membro do IBA e da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP. Email: marco.pontes@lgpconsulting.com.br blog: http://www.marcoponteslgpconsulting.blogspot.com/
Twitter: MarcodePontes, Skipe:Marco.Antonio.Pontes

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Contrato de Seguro x Investimento sob a perspectiva do IFRS - Parte II

Um leitor enviou um questionamento sobre a diferença entre contrato de seguro e de investimento sob a perspectiva do IFRS e da legislação brasileira.  Por ora eu vou me esquivar de comentar sobre a legislação brasileira que deve  seguir pari passu às regras do IFRS e pelo que li até o momento pareceu que a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP pretender ir neste sentido, mas prefiro não manifestar minha opinião neste estágio de desenvolvimento das regras. Ela deve ter suas razões para fazer isso, pois se dependesse do mercado a opção modal seria interpretar tudo como contrato de investimento. A coisa não é tão simples. Já ouvi gestor afirmar que pretende classificar tudo como contrato de investimento, apenas para fugir do Liability Adequacy Test que é uma exigência realizar quando a opção recai por definir o contrato na forma de seguro.
Talvez por essa razão a SUSEP opte por determinar para o mercado algumas definições que se dependesse da seguradora ela não faria.
 Se o gestor que fez a afirmação tivesse o cuidado de avaliar com mais profundidade o tema poderia se deparar com algumas boas surpresas. Mas isso é muito complexo para tratar nesta ocasião.
Trata-se de uma definição de política contábil. Prefiro neste artigo tratar da definição de contrato de seguro para fins de IFRS sem entrar no mérito do que a SUSEP pretende fazer para atender a pergunta do leitor.
Para fins de IFRS vale o alerta: a definição de seguros, incluída no IFRS 4 será utilizada em todas as IFRS´s, inclusive o IAS 39 que trata de contrato de investimento. Contudo, quando a empresa adotar a classificação ficará impedida de fazer a reclassificação no futuro. Daí a necessidade das empresas ter que avaliar com muito cuidado sua decisão de classificar de uma forma ou de outra. Cautela nesse caso é fundamental.
A classificação que optar fazer terá que ser detalhada na adoção inicial das normas. A empresa que basear sua decisão sem considerar uma visão prospectiva dos negócios poderá encontrar problemas no futuro.  Para o contrato se caracterizar como contrato de seguro, o risco significativo deve estar presente, isto é: deve haver um risco pré existente não criado por contrato. Ao determinar a classificação do produto que ela opera, a vida do contrato pode ser, inclusive maior do que o considerado no âmbito do regimes contábeis.
 Um exemplo típico é o caso dos contratos de previdência que podem, eventualmente considerar o período de acumulação, separadamente. Muitos gestores de seguradoras gostariam de classificar os contratos da família VGBL e PGBL como contrato de investimento. Entretanto, segundo o IFRS 4, a vigência plena do potencial contrato deve ser levada em conta para determinar o tipo de contrato.
Todos sabemos que existem riscos quando a opção do segurado ou participante for feita por uma renda atuarial. Logo o contrato deveria ser caracterizado como um contrato de seguros e não de investimento. Quem pensa em tratar o caso em duas partes não poderá fazer, pois a regra, sabiamente impede. Imagino que a SUSEP deve estar sendo alvo constante de questionamentos por conta da classificação desses produtos sob a forma de contrato de seguro.
Indo ao ponto que o leitor destacou vou me valer de um estudo que tive acesso no ano passado para tentar responder o questionamento.
Os passos mais importantes que devem ser seguidos são: (1) Existe risco de seguro no contrato? Se a resposta for afirmativa deve se perguntar: (2) Existe um componente de depósito no contrato? Se existir. (2.1) O componente de depósito é independente dos fluxos de caixa de seguros? Se a resposta for não, então trata-se de um contrato de seguro, e portanto deve ser considerado sob a perspectiva do IFRS 4. (2.2) Os componentes de seguro e de depósito do contrato deve ser avaliados em separado? Se existir relação que determine que existe componente de seguro, então deve ser considerado sob a perspectiva do IFRS 4.
Se a pergunta (1) resultar em  “Não”, então (1.1) Tem todos os elementos de benefício dirigido por participação discricionária?  Se a resposta for “Sim”, então, trata-se de um contrato de investimento com características de participação discricionária e, portanto deve ser tratado sob a perspectiva do IFRS 4. Se a resposta for “Não”, então definitivamente é um contrato de investimento que deve ser tratado sob a perspectiva do IAS 39.
Outra forma de concluir é a diferença entre ambos é que os contratos de seguros tem "risco de seguro significativo" na definição de IFRS. Sugiro a leitura da CPC 13. Contrato com risco de seguro significativo é o contrato em que há a probabilidade, mesmo que reduzida, de que os desembolsos contratuais com indenizações e remunerações ultrapassem os prêmios arrecadados. Convencionou-se que esse valor teria de ser, pelo menos, 20% maior que o prêmio, para caracterizar risco de seguro significativo. Na prática, essa definição não modificou em nada as classificações de produtos operados no mercado brasileiro de seguros e previdência.  
Como vemos não é tão simples decidir. Lembro que para responder algumas das perguntas acima, torna-se necessário realizar alguns testes para concluir como conduzir a política contábil.


Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e  da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP). E-mail: marco.pontes@lgpconsulting.com.br, Twitter: @MarcodePontes, Skype: Marco.Antonio.Pontes - Blog: www.marcoponteslgpconsulting.com.br

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Anatomia da crise do Banco PanAmericano Parte II - Os auditores falharam?

                Sempre que ocorre uma fraude ou a quebra de uma instituição, discute-se a eficiência dos trabalhos dos auditores. O caso do Banco PanAmericano não é uma exceção. É uma tendência do ser humano buscar culpados. O julgamento é inevitável. Melhor seria entender o que aconteceu e porque aconteceu, antes de partir à caça dos culpados.
Até o momento, e com base no que tenho acompanhado pela mídia, posso fazer duas afirmações com convicção, e deixar outro questionamento no ar, que espero ser devidamente esclarecido.
Inicialmente, vamos ao questionamento: por que o Banco Central não percebeu a trama antes? Devo lembrar que o BACEN possui todas as condições de acesso e controle do mercado. Certamente tinha acesso à base de dados do PanAmericano e à base de dados dos bancos que adquiriram as carteiras do PanAmericano. Esse tema deve ser esclarecido ao longo do processo e a imprensa deve fazer seu papel para informar a sociedade.
                Quanto aos culpados. Não resta dúvida que até o momento os administradores são os responsáveis pelo que ocorreu. O desenrolar dos acontecimentos apenas comprovará o fato. A pior face de uma administração familiar ficou evidente neste caso. O que justifica colocar um professor de Educação Física no mais alto posto da Administração de uma instituição financeira? Alongar os Ativos de uma companhia por meio da fraude é a mesma coisa que fazer músculos usando anabolizantes. Não podia dar certo. Espera-se que a Justiça apure e puna os responsáveis pelos prejuízos que causaram.
Em vista da Liderança Capitalização fazer parte do grupo, o problema detectado no PanAmericano pode servir de  alerta para SUSEP avaliar a situação da empresa, especialmente se algum membro da administração do Banco PanAmericano também compor a administração da Liderança.
                Quanto às duas empresas de auditoria posso afirmar que dificilmente teriam condições de identificar a fraude. Trata-se de duas das maiores empresas de auditoria no mundo. Não estamos falando de duas empresas de fundo de quintal. Primeiro vamos entender a participação da KPMG no processo.
É preciso dizer que a participação da KPMG foi restrita ao processo de due diligence realizado no ano passado, quando foi contratada pela Caixa para realizar o trabalho que culminou com a aquisição do controle de 49% do PanAmericano.
O que é um due diligence? O due diligence compreende a análise e avaliação dos documentos pertinentes a uma determinada empresa, sob a perspectiva contábil e jurídica, com a finalidade de: (i) identificar riscos e passivos legais originados de processos judiciais e administrativos; (ii) apontar pontos críticos e relevantes dentro da empresa objeto da análise; (iii) determinar a melhor forma e estratégia de estruturação da transação e (iv) identificar as providências necessárias para a eliminação ou redução dos riscos identificados.
A intenção do due diligence é obter a radiografia de uma empresa por meio da análise de documentos disponibilizados pela empresa target e por entrevistas com os membros indicados por ela, de forma a prepará-la para uma operação de fusão ou aquisição.
Por mais cautela que a empresa contratada para realizar o trabalho tenha, existem grandes limitações para realizá-lo, plenamente.
Normalmente, as empresas que realizam este trabalho, exigem uma farta documentação para concluir sobre a situação da empresa target. Contudo, na maioria das ocasiões se deparam com grandes limitações. A começar pela documentação disponibilizada. Na grande maioria das ocasiões os documentos ficam em um local para serem analisados, com limitação de acesso. Os executores do trabalho analisam a documentação fornecida. As entrevistas com os responsáveis da empresa às vezes não são permitidas. Alternativamente torna-se necessário apresentar os questionamentos por meio de perguntas por escrito, e que muitas vezes não são respondidas. Tanto os documentos quanto as entrevistas são levados em conta para a conclusão dos trabalhos.
Em vista da limitação de tempo que possuem, apresentam um check list que enumera as informações e documentos necessários para a realização do trabalho. O check list é ajustado de acordo com a finalidade do trabalho e dos documentos disponibilizados.
Feita a análise dos documentos, as equipes de due diligence avaliam os dados relatados para identificar os pontos críticos existentes em relação à empresa target, ou que possam impactar a operação, gerando um relatório para apresentação ao cliente. O referido relatório é direcionado de acordo com a finalidade do due diligence, podendo destacar os aspectos societários, tributários, trabalhistas, contratuais, de direitos, regulatórios e concernentes ao contencioso do target. Eventualmente muitos aspectos podem ficar de fora.
Minha experiência demonstra que além de um rito burocrático extenso para obter material complementar em muitas ocasiões, a empresa target não disponibiliza profissionais para responder às perguntas dos profissionais da empresa contratada para a realização do due diligence, conforme destaquei acima.
Naturalmente, em um ambiente tão limitado, a empresa contratada para realizar o trabalho toma uma série de precauções para ter segurança na sua conclusão. Por essa razão o resultado do trabalho de quem realiza o processo de due diligence não é um relatório de auditoria na acepção da palavra, mas uma espécie de Agreed Upon Procedure, isto é uma relatório de procedimentos pré acordados entre as partes, cujo acesso é permitido apenas para quem contrata o projeto, no caso, a Caixa.
Diante disso posso afirmar que a KPMG, provavelmente, não dispunha das mínimas condições, pela exposição acima, de detectar a fraude, como certamente ficará comprovado ao longo do processo junto ao Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (Brasil SEC).
E quanto a Deloitte? Na qualidade de auditor externo é possível que tivesse condições de encontrar indícios da fraude, pois, apesar de não ser responsável pela fraude cometida pelos administradores, deve levar em conta a potencialidade de ocorrer fraude nas análises que realiza. Conta, ao seu favor, o fato de que não dispunha de acesso ao banco de dados dos bancos com quem o PanAmericano negociou a carteira de crédito. Se tivesse acesso, certamente passaria a ter responsabilidade. Duvido que tenha tido.
A Norma Brasileira de Contabilidade – Interpretação Técnica NBC-IT 11, disciplina os procedimentos que devem ser realizados quanto à Fraudes e Erros. Sob esta perspectiva deverá ser avaliado o trabalho da Deloitte junto ao BACEN e a CVM.
É importante salientar que a atividade da empresa de auditoria é meio, e não fim. Para ficar mais claro o sentido do que pretendo dizer, recorro ao exercício da profissão de médico, como exemplo. Ele, o médico, não pode ser responsabilizado pela morte de um paciente se tratou o paciente de forma diligente. Se ele fez de tudo para tentar salvar o paciente, solicitando os exames pertinentes para detecção do diagnóstico, prescrevendo a medicação correta, ele não pode ser responsabilizado se o paciente não correspondeu ao tratamento e faleceu.
O mesmo ocorre com o auditor. O que deve nortear a análise e a conclusão do caso PanAmericano é: o auditor foi diligente no trabalho que realizou? Só a investigação concluirá sobre o nível de responsabilidade da empresa que realizou a auditoria. Mas isso, só o tempo vai dizer.
Para concluir, eu gostaria de salientar que é muito difícil pegar uma fraude desta natureza, especialmente quando a administração está diretamente envolvida, como foi o caso. As empresas de auditoria sabiamente se protegem de tais situações, incluindo em seus contratos salvaguardas quanto à possibilidade de que certos procedimentos irregulares praticados pela administração possam impedir a detecção de erros, irregularidades e atos ilegais significativos. Esta cláusula costuma constar da proposta e do relatório final de auditoria.
Muitos administradores questionam a inclusão desta cláusula e fazem de tudo para excluí-la. Eu, por força do ofício de consultor no passado e na qualidade de colaborador de duas empresas de auditoria de grande porte, fui questionado com frequência por alguns gestores de empresas que faziam de tudo para a remoção da cláusula.
Nestas ocasiões eu recorria aos meus superiores para relatar o caso. Eles ouviam pacientemente minha argumentação, mas não arredavam pé de suas convicções. Eventualmente, para se verem livre da minha insistência e, desde que tivessem tempo e, em respeito ao tempo que lhes tomava, ofereciam sugestões para alterar o texto sem, entretanto, alterar a finalidade da cláusula. Compreensível, afinal cabe a eles, a responsabilidade técnica da firma para evitar riscos para a organização.
A cláusula é deselegante. Pode até ser, mas no mundo empresarial, especialmente nesta atividade, não existe espaço para ingenuidade. Se um gestor questiona esta cláusula é bom ficar de olho; afinal contra dolo e conluio, especialmente aqueles praticados pela Alta Administração, a probabilidade de identificar uma fraude é praticamente nula.

Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).
Twitter: @MarcodePontes
Skype: Marco.Antonio.Pontes