segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Resseguro e as Entidades Fechada de Previdência Complementar

A Lei Complementar n° 109 de 2001 introduziu novas figuras na legislação de previdência complementar, de modo a permitir as condições necessárias à disseminação de novas entidades de previdência complementar no Brasil. Era necessário promover novas mudanças no quadro regulatório, visto que a Lei n° 6.435/77 já não atendia a realidade das entidades sob diversas perspectivas. Uma das principais motivações da Lei Complementar foi alinhar a realidade sócio econômica do país às Entidades de Previdência Complementar – EPC´s. O processo de globalização produziu profundas mudanças nas relações do ambiente de trabalho, impactando de forma sistemática as Entidades. Por outro lado, a Lei n° 6.435/77, não dispunha dos instrumentos necessários para acompanhar tais mudanças no ritmo que ocorreram.
Um dos principais méritos da nova legislação foi a criação de novos institutos, dentre eles, destacamos; a portabilidade, o benefício proporcional adquirido - BPD e a possibilidade das EPC’s, por meio do artigo 11, contratar operação de resseguro no mercado. Indo mais longe, conforme previsto no parágrafo único deste artigo, quando se tratar de Entidade Fechada de Previdência Complementar - EFPC, a possibilidade de ser instituído um fundo de solvência, ainda, dependente de regulamentação. No que tange aos princípios gerais da Lei Complementar n°109, há que salientar, ainda, que ela é fortemente orientada no sentido da ação do Estado estar voltada para proteger os interesses dos participantes, reforçando a função orientadora do Estado, seja através da ação do órgão normativo ou do órgão fiscalizador.
Servi-me desse preâmbulo para contextualizar a importância que o Estado deu a nova legislação para o setor de previdência complementar e compartilhar com os leitores a respeito de uma discussão travada, recentemente com alguns colegas de profissão, dentre eles; representantes de Seguradoras, Resseguradoras e Consultores, sobre a questão envolvendo as operações de resseguro entre EPC’s e Resseguradores de forma direta, ou seja, sem haver necessidade do processo passar por uma Seguradora.
Um fato que chamou minha atenção foi a forma, veemente, com a qual, alguns colegas de mercado se posicionaram quanto ao tema. Penso que defender a posição de que as operações de resseguro deve necessariamente passar por uma seguradora é precipitada no atual contexto em que se encontra o mercado.
Afinal, qual o sentido do resseguro?  Resseguro é o caminho de transferência ou cessão de riscos financeiros e atuariais entre entidades que administram riscos relativos a seguro de bens (propriedades, carros, etc..) e/ou aqueles associados à vida (morte, invalidez, longevidade, etc..) de uma entidade administradora de risco para outra, no caso, o Ressegurador. Tradicionalmente, uma transação de resseguro é definida entre duas administradoras de risco, onde o Segurador vende parte do risco assumido para um Ressegurador. De forma primária, o Segurador e Ressegurador podem, a partir dessa relação estabelecida, contratualmente, dividir os ganhos e perdas de uma determinada operação.
Em suma, o objetivo principal do resseguro é reduzir os passivos que as EPC possuem. Sob essa perspectiva, penso que no momento atual é uma discussão inócua, em vista da situação de mercado. Baseio minha afirmação no fato de que as EPC’s nos últimos anos têm procurado fugir dos passivos atuariais. Seja pela reforma que implementaram no desenho de seus planos ou pela falta de padronização dos planos de benefícios. No decorrer das últimas décadas as EFPC’s mudaram drasticamente os desenhos de seus planos de benefício definido para contribuição definida pura. Esse processo teve início há uma década atrás. O mesmo ocorreu com as Entidades Abertas de Previdência Privada – EAPC. Em ambos os casos, entendo não haver o que ressegurar, visto que os modelos de planos de benefícios passaram a ser, basicamente financeiros. O risco deixou de ser das EPC’s em ambas vertentes Abertas ou Fechadas e passaram a ser assumidos, diretamente pelos participantes dos Planos, tanto na fase de capitalização, quanto na fase de percepção da renda que passou a ser temporária. O risco da longevidade e da taxa de rentabilidade que são os principais componentes para formação de passivos de risco, praticamente deixaram de existir. Mesmo nas coberturas de risco por morte ou invalidez, prevalece como benefício o recebimento do saldo do fundo financeiro acumulado ou de uma renda temporária, resultante do que o fundo foi capaz de produzir até a ocorrência do evento gerador morte ou invalidez. Entendo que isso é um equívoco por parte do Segurador, visto que o mercado tem condições de oferecer coberturas mais sofisticadas e com sentido de proteção mais apropriado do que aqueles que hoje predominam no mercado.
 De que forma um indivíduo ou seus dependentes podem ficar protegidos, se o evento gerador ocorrer de forma prematura? Não há produto disponível para atender essa demanda. A situação torna-se mais dramática, especialmente sob o contexto do atual cenário de crise que afetou fortemente a rentabilidade dos planos de contribuições definidas. As Seguradoras e o Estado deveriam dar mais atenção a esse assunto – não é ao meu juízo justo que os participantes arquem, integralmente com esse risco. Acredito que as Seguradoras podem ser mais criativas na oferta desses produtos. É um desafio que terão à frente nos próximos anos, caso contrário, inevitavelmente as Resseguradoras ocuparão esse espaço.
O que resta então para ressegurar? Uma parcela ínfima dos planos de benefícios definidos existentes no mercado. Em uma primeira instância, as seguradoras seriam, em tese, os principais interessados em explorar essa brecha, desenvolvendo produtos mais atraentes para as EPC’s. Contudo não exploraram essa oportunidade na época em que os planos de benefícios definidos predominavam, por que fariam agora? Por causa da entrada das Resseguradoras? De fato não sei, mas a falta de interesse e da oferta de produtos compatíveis com essa finalidade é resultante do fato de que em sua grande maioria, escapam raras exceções, as Seguradoras, procuraram fugir do risco o que é um paradoxo, visto que a matéria prima das Seguradoras é na sua essência o risco.
Diante disso, penso que sendo uma EPC, uma administradora de risco, qual seria o impedimento de contratar diretamente o resseguro junto a uma Resseguradora? O fato das EPC’s não estarem definidas como Seguradoras? Acredito que essa resposta não justifica a defesa veemente de que a operação de resseguro deve ser intermediada por uma Entidade Seguradora, pois de fato uma EPC possui o mesmo propósito que uma Seguradora de Vida. A única diferença é que seu foco é restrito a um determinado grupo de pessoas ou empregados, mas o risco de sobrevivência, que é um de seus focos permanente de preocupação é o mesmo de uma Seguradora de Vida.
Da mesma forma é alvo de preocupação, o risco de obtenção de taxas de retorno no médio e longo prazo de modo a manter os compromissos assumidos com seus segurados, no caso, os participantes da Entidade. Muito mais pela falta de ousadia do mercado Segurador, penso que aqui existe um campo fértil para os Resseguradores atuarem, pois, em tese, possuem uma política de subscrição de riscos mais ousada e a experiência internacional as credenciam a oferecer produtos mais atrativos para o mercado. Partindo da definição do que é uma operação de resseguro, elas podem vir a ser de fato uma alternativa para as EPC’s, muito mais por falta de ação das Seguradoras do que um impedimento legal que acredito não existir, atualmente na legislação brasileira.

Acredito que é uma questão de tempo, a comercialização de soluções para proteção ou minimização dos passivos associados aos planos de benefícios definidos de EPC’s. Caso os Seguradores não tomem a iniciativa, os Resseguradores o farão.
É importante ressaltar que um dos propósitos para promover a abertura do mercado de resseguro à iniciativa privada foi aumentar a competitividade no mercado de modo que a sociedade pudesse dispor de mais opções para sua proteção. Para o consumidor pouco importa, se o produto é oferecido por uma Seguradora ou Resseguradora, é indiferente. O que importa para ele é que o produto esteja disponível e seja acessível no mercado.
A utilização dos superávits dos planos de benefícios definidos, por exemplo, poderia viabilizar a compra de produtos que tenham a finalidade de proteger os riscos de longevidade das rendas vitalícias e das taxas de rentabilidade no médio e longo prazo, visto que as taxas de rentabilidade serão fortemente reduzidas no longo prazo. O principal desafio aqui é estabelecer a medida técnica de co-participação nos déficits técnicos entre Segurador e/ou Ressegurador junto às EPC’s.
Quanto à viabilidade do fundo de solvência, penso ser o caminho mais penoso, pois ele só seria viável com fortes subsídios do Estado nos moldes do crédito imobiliário, em que o Estado tem uma importância vital. Um fundo privado, considerando que não há maturidade do mercado, nem escala parece ser inviável no momento.
Os instrumentos legais para viabilizar a operação de resseguro entre EPC’s e Resseguradores são uma realidade. A operação está amparada pela Lei Complementar n° 109/2001 e a Lei Complementar n° 126/2007. O fato desse tipo de operação estar restrita aos Resseguradores Locais que poderia ser visto como uma vantagem competitiva é perfeitamente compreensível. Apesar dos esforços de investimento feito por aqueles Resseguradores que se instalaram sob a forma de admitidos ou eventuais foi uma forma do regulador diferenciar aquelas que se constituíram como local, em vista de demonstrarem de forma inequívoca mais confiança no mercado brasileiro e de evitar a evasão fiscal.


Marco Pontes é diretor da LG&P Advisory Services e membro do IBA e da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP. Email: marco.pontes@lgpconsulting.com.br blog: http://www.marcoponteslgpconsulting.blogspot.com/
Twitter: MarcodePontes, Skipe:Marco.Antonio.Pontes

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Contrato de Seguro x Investimento sob a perspectiva do IFRS - Parte II

Um leitor enviou um questionamento sobre a diferença entre contrato de seguro e de investimento sob a perspectiva do IFRS e da legislação brasileira.  Por ora eu vou me esquivar de comentar sobre a legislação brasileira que deve  seguir pari passu às regras do IFRS e pelo que li até o momento pareceu que a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP pretender ir neste sentido, mas prefiro não manifestar minha opinião neste estágio de desenvolvimento das regras. Ela deve ter suas razões para fazer isso, pois se dependesse do mercado a opção modal seria interpretar tudo como contrato de investimento. A coisa não é tão simples. Já ouvi gestor afirmar que pretende classificar tudo como contrato de investimento, apenas para fugir do Liability Adequacy Test que é uma exigência realizar quando a opção recai por definir o contrato na forma de seguro.
Talvez por essa razão a SUSEP opte por determinar para o mercado algumas definições que se dependesse da seguradora ela não faria.
 Se o gestor que fez a afirmação tivesse o cuidado de avaliar com mais profundidade o tema poderia se deparar com algumas boas surpresas. Mas isso é muito complexo para tratar nesta ocasião.
Trata-se de uma definição de política contábil. Prefiro neste artigo tratar da definição de contrato de seguro para fins de IFRS sem entrar no mérito do que a SUSEP pretende fazer para atender a pergunta do leitor.
Para fins de IFRS vale o alerta: a definição de seguros, incluída no IFRS 4 será utilizada em todas as IFRS´s, inclusive o IAS 39 que trata de contrato de investimento. Contudo, quando a empresa adotar a classificação ficará impedida de fazer a reclassificação no futuro. Daí a necessidade das empresas ter que avaliar com muito cuidado sua decisão de classificar de uma forma ou de outra. Cautela nesse caso é fundamental.
A classificação que optar fazer terá que ser detalhada na adoção inicial das normas. A empresa que basear sua decisão sem considerar uma visão prospectiva dos negócios poderá encontrar problemas no futuro.  Para o contrato se caracterizar como contrato de seguro, o risco significativo deve estar presente, isto é: deve haver um risco pré existente não criado por contrato. Ao determinar a classificação do produto que ela opera, a vida do contrato pode ser, inclusive maior do que o considerado no âmbito do regimes contábeis.
 Um exemplo típico é o caso dos contratos de previdência que podem, eventualmente considerar o período de acumulação, separadamente. Muitos gestores de seguradoras gostariam de classificar os contratos da família VGBL e PGBL como contrato de investimento. Entretanto, segundo o IFRS 4, a vigência plena do potencial contrato deve ser levada em conta para determinar o tipo de contrato.
Todos sabemos que existem riscos quando a opção do segurado ou participante for feita por uma renda atuarial. Logo o contrato deveria ser caracterizado como um contrato de seguros e não de investimento. Quem pensa em tratar o caso em duas partes não poderá fazer, pois a regra, sabiamente impede. Imagino que a SUSEP deve estar sendo alvo constante de questionamentos por conta da classificação desses produtos sob a forma de contrato de seguro.
Indo ao ponto que o leitor destacou vou me valer de um estudo que tive acesso no ano passado para tentar responder o questionamento.
Os passos mais importantes que devem ser seguidos são: (1) Existe risco de seguro no contrato? Se a resposta for afirmativa deve se perguntar: (2) Existe um componente de depósito no contrato? Se existir. (2.1) O componente de depósito é independente dos fluxos de caixa de seguros? Se a resposta for não, então trata-se de um contrato de seguro, e portanto deve ser considerado sob a perspectiva do IFRS 4. (2.2) Os componentes de seguro e de depósito do contrato deve ser avaliados em separado? Se existir relação que determine que existe componente de seguro, então deve ser considerado sob a perspectiva do IFRS 4.
Se a pergunta (1) resultar em  “Não”, então (1.1) Tem todos os elementos de benefício dirigido por participação discricionária?  Se a resposta for “Sim”, então, trata-se de um contrato de investimento com características de participação discricionária e, portanto deve ser tratado sob a perspectiva do IFRS 4. Se a resposta for “Não”, então definitivamente é um contrato de investimento que deve ser tratado sob a perspectiva do IAS 39.
Outra forma de concluir é a diferença entre ambos é que os contratos de seguros tem "risco de seguro significativo" na definição de IFRS. Sugiro a leitura da CPC 13. Contrato com risco de seguro significativo é o contrato em que há a probabilidade, mesmo que reduzida, de que os desembolsos contratuais com indenizações e remunerações ultrapassem os prêmios arrecadados. Convencionou-se que esse valor teria de ser, pelo menos, 20% maior que o prêmio, para caracterizar risco de seguro significativo. Na prática, essa definição não modificou em nada as classificações de produtos operados no mercado brasileiro de seguros e previdência.  
Como vemos não é tão simples decidir. Lembro que para responder algumas das perguntas acima, torna-se necessário realizar alguns testes para concluir como conduzir a política contábil.


Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e  da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP). E-mail: marco.pontes@lgpconsulting.com.br, Twitter: @MarcodePontes, Skype: Marco.Antonio.Pontes - Blog: www.marcoponteslgpconsulting.com.br

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Anatomia da crise do Banco PanAmericano Parte II - Os auditores falharam?

                Sempre que ocorre uma fraude ou a quebra de uma instituição, discute-se a eficiência dos trabalhos dos auditores. O caso do Banco PanAmericano não é uma exceção. É uma tendência do ser humano buscar culpados. O julgamento é inevitável. Melhor seria entender o que aconteceu e porque aconteceu, antes de partir à caça dos culpados.
Até o momento, e com base no que tenho acompanhado pela mídia, posso fazer duas afirmações com convicção, e deixar outro questionamento no ar, que espero ser devidamente esclarecido.
Inicialmente, vamos ao questionamento: por que o Banco Central não percebeu a trama antes? Devo lembrar que o BACEN possui todas as condições de acesso e controle do mercado. Certamente tinha acesso à base de dados do PanAmericano e à base de dados dos bancos que adquiriram as carteiras do PanAmericano. Esse tema deve ser esclarecido ao longo do processo e a imprensa deve fazer seu papel para informar a sociedade.
                Quanto aos culpados. Não resta dúvida que até o momento os administradores são os responsáveis pelo que ocorreu. O desenrolar dos acontecimentos apenas comprovará o fato. A pior face de uma administração familiar ficou evidente neste caso. O que justifica colocar um professor de Educação Física no mais alto posto da Administração de uma instituição financeira? Alongar os Ativos de uma companhia por meio da fraude é a mesma coisa que fazer músculos usando anabolizantes. Não podia dar certo. Espera-se que a Justiça apure e puna os responsáveis pelos prejuízos que causaram.
Em vista da Liderança Capitalização fazer parte do grupo, o problema detectado no PanAmericano pode servir de  alerta para SUSEP avaliar a situação da empresa, especialmente se algum membro da administração do Banco PanAmericano também compor a administração da Liderança.
                Quanto às duas empresas de auditoria posso afirmar que dificilmente teriam condições de identificar a fraude. Trata-se de duas das maiores empresas de auditoria no mundo. Não estamos falando de duas empresas de fundo de quintal. Primeiro vamos entender a participação da KPMG no processo.
É preciso dizer que a participação da KPMG foi restrita ao processo de due diligence realizado no ano passado, quando foi contratada pela Caixa para realizar o trabalho que culminou com a aquisição do controle de 49% do PanAmericano.
O que é um due diligence? O due diligence compreende a análise e avaliação dos documentos pertinentes a uma determinada empresa, sob a perspectiva contábil e jurídica, com a finalidade de: (i) identificar riscos e passivos legais originados de processos judiciais e administrativos; (ii) apontar pontos críticos e relevantes dentro da empresa objeto da análise; (iii) determinar a melhor forma e estratégia de estruturação da transação e (iv) identificar as providências necessárias para a eliminação ou redução dos riscos identificados.
A intenção do due diligence é obter a radiografia de uma empresa por meio da análise de documentos disponibilizados pela empresa target e por entrevistas com os membros indicados por ela, de forma a prepará-la para uma operação de fusão ou aquisição.
Por mais cautela que a empresa contratada para realizar o trabalho tenha, existem grandes limitações para realizá-lo, plenamente.
Normalmente, as empresas que realizam este trabalho, exigem uma farta documentação para concluir sobre a situação da empresa target. Contudo, na maioria das ocasiões se deparam com grandes limitações. A começar pela documentação disponibilizada. Na grande maioria das ocasiões os documentos ficam em um local para serem analisados, com limitação de acesso. Os executores do trabalho analisam a documentação fornecida. As entrevistas com os responsáveis da empresa às vezes não são permitidas. Alternativamente torna-se necessário apresentar os questionamentos por meio de perguntas por escrito, e que muitas vezes não são respondidas. Tanto os documentos quanto as entrevistas são levados em conta para a conclusão dos trabalhos.
Em vista da limitação de tempo que possuem, apresentam um check list que enumera as informações e documentos necessários para a realização do trabalho. O check list é ajustado de acordo com a finalidade do trabalho e dos documentos disponibilizados.
Feita a análise dos documentos, as equipes de due diligence avaliam os dados relatados para identificar os pontos críticos existentes em relação à empresa target, ou que possam impactar a operação, gerando um relatório para apresentação ao cliente. O referido relatório é direcionado de acordo com a finalidade do due diligence, podendo destacar os aspectos societários, tributários, trabalhistas, contratuais, de direitos, regulatórios e concernentes ao contencioso do target. Eventualmente muitos aspectos podem ficar de fora.
Minha experiência demonstra que além de um rito burocrático extenso para obter material complementar em muitas ocasiões, a empresa target não disponibiliza profissionais para responder às perguntas dos profissionais da empresa contratada para a realização do due diligence, conforme destaquei acima.
Naturalmente, em um ambiente tão limitado, a empresa contratada para realizar o trabalho toma uma série de precauções para ter segurança na sua conclusão. Por essa razão o resultado do trabalho de quem realiza o processo de due diligence não é um relatório de auditoria na acepção da palavra, mas uma espécie de Agreed Upon Procedure, isto é uma relatório de procedimentos pré acordados entre as partes, cujo acesso é permitido apenas para quem contrata o projeto, no caso, a Caixa.
Diante disso posso afirmar que a KPMG, provavelmente, não dispunha das mínimas condições, pela exposição acima, de detectar a fraude, como certamente ficará comprovado ao longo do processo junto ao Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (Brasil SEC).
E quanto a Deloitte? Na qualidade de auditor externo é possível que tivesse condições de encontrar indícios da fraude, pois, apesar de não ser responsável pela fraude cometida pelos administradores, deve levar em conta a potencialidade de ocorrer fraude nas análises que realiza. Conta, ao seu favor, o fato de que não dispunha de acesso ao banco de dados dos bancos com quem o PanAmericano negociou a carteira de crédito. Se tivesse acesso, certamente passaria a ter responsabilidade. Duvido que tenha tido.
A Norma Brasileira de Contabilidade – Interpretação Técnica NBC-IT 11, disciplina os procedimentos que devem ser realizados quanto à Fraudes e Erros. Sob esta perspectiva deverá ser avaliado o trabalho da Deloitte junto ao BACEN e a CVM.
É importante salientar que a atividade da empresa de auditoria é meio, e não fim. Para ficar mais claro o sentido do que pretendo dizer, recorro ao exercício da profissão de médico, como exemplo. Ele, o médico, não pode ser responsabilizado pela morte de um paciente se tratou o paciente de forma diligente. Se ele fez de tudo para tentar salvar o paciente, solicitando os exames pertinentes para detecção do diagnóstico, prescrevendo a medicação correta, ele não pode ser responsabilizado se o paciente não correspondeu ao tratamento e faleceu.
O mesmo ocorre com o auditor. O que deve nortear a análise e a conclusão do caso PanAmericano é: o auditor foi diligente no trabalho que realizou? Só a investigação concluirá sobre o nível de responsabilidade da empresa que realizou a auditoria. Mas isso, só o tempo vai dizer.
Para concluir, eu gostaria de salientar que é muito difícil pegar uma fraude desta natureza, especialmente quando a administração está diretamente envolvida, como foi o caso. As empresas de auditoria sabiamente se protegem de tais situações, incluindo em seus contratos salvaguardas quanto à possibilidade de que certos procedimentos irregulares praticados pela administração possam impedir a detecção de erros, irregularidades e atos ilegais significativos. Esta cláusula costuma constar da proposta e do relatório final de auditoria.
Muitos administradores questionam a inclusão desta cláusula e fazem de tudo para excluí-la. Eu, por força do ofício de consultor no passado e na qualidade de colaborador de duas empresas de auditoria de grande porte, fui questionado com frequência por alguns gestores de empresas que faziam de tudo para a remoção da cláusula.
Nestas ocasiões eu recorria aos meus superiores para relatar o caso. Eles ouviam pacientemente minha argumentação, mas não arredavam pé de suas convicções. Eventualmente, para se verem livre da minha insistência e, desde que tivessem tempo e, em respeito ao tempo que lhes tomava, ofereciam sugestões para alterar o texto sem, entretanto, alterar a finalidade da cláusula. Compreensível, afinal cabe a eles, a responsabilidade técnica da firma para evitar riscos para a organização.
A cláusula é deselegante. Pode até ser, mas no mundo empresarial, especialmente nesta atividade, não existe espaço para ingenuidade. Se um gestor questiona esta cláusula é bom ficar de olho; afinal contra dolo e conluio, especialmente aqueles praticados pela Alta Administração, a probabilidade de identificar uma fraude é praticamente nula.

Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).
Twitter: @MarcodePontes
Skype: Marco.Antonio.Pontes

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Anatomia da crise do banco PanAmericano - Parte I

Em 2008 meu filho de apenas 13 anos perguntou “Pai o que está acontecendo”? Era o auge da crise imobiliária americana. Como explicar uma crise sem precedentes para uma criança? Amor paterno explica.
A única resposta para aquele momento que ocorreu era sintetizada apenas por um termo – ganância. A partir dessa definição foi possível desenvolver uma explicação inteligível e razoável do que estava acontecendo.  Depois de ouvir com atenção minha narrativa ele exclamou: “Pai, que confusão os caras arrumaram”! Meu objetivo foi atingido. Ele, sem que fosse necessário compreender o pensamento liberal de Adam Smith e os fartos jargões de mercado, tais como derivativos, mercado futuro, sweeps entendeu a descrição que fiz.
Ontem à noite enquanto explicava para minha esposa o caso do Banco PanAmericano ele se aproveitou de uma deixa e completou: “Resumindo, mãe. O problema é a ganância”. Ele tem razão.
Afinal, o que aconteceu? Todos nós sabemos que os Bancos sobrevivem da concessão de crédito ao consumidor. Por meio dos juros que cobram obtêm a rentabilidade necessária para manter suas operações e gerar lucro aos seus acionistas. A velha história do “toma lá dá cá”.
O PanAmericano, objeto de investigação do Banco Central, tem uma forte atuação no varejo, concedendo crédito consignado e empréstimo para financiamento de carros aos consumidores. É prática no mercado a venda da carteira de crédito que instituições dessa natureza detêm para outras instituições financeiras como forma de alavancar mais recursos mediante um deságio na venda dos Ativos.
 Por exemplo, se uma carteira de crédito possui o valor de R$ 1 bilhão (soma das parcelas dos empréstimos a receber em um prazo de 24 meses dos seus clientes) e ele deseja fazer caixa é comum vender o total dessa carteira para outra instituição que paga mediante uma taxa de desconto o valor daquela carteira de crédito. No exemplo mencionado, suponha que o valor da carteira desses créditos foi repassado para outro banco que pagou com o deságio o valor de R$ 700 milhões pela carteira de crédito. O deságio leva em conta uma taxa de desconto e outras variáveis para cobrir o risco de inadimplência que o outro banco assume, pois irá receber o R$ 1 bilhão ao longo dos 24 meses.  As duas instituições ganham na operação. A primeira que ofereceu a carteira passou a contar com um recurso à vista e a outra ganhou na diferença. A diferença do valor da carteira vendida é um ótimo negócio se bem negociada, e os banqueiros costumam fazer bons negócios — creiam.
 Dessa forma, o PanAmericano obtinha recursos à vista para emprestar mais dinheiro para seus clientes. Operação usual. Até aqui nada fora das regras.
Entretanto, valendo-se de uma falha no sistema, o banco, apesar de vender a carteira de crédito para outra instituição, não baixava de seus Ativos (bens), o valor da carteira de crédito vendida. Dessa forma maquiava seu Patrimônio por meio de manipulação contábil apresentando mais recursos do que possuía para obter mais crédito no mercado.  Se aplicarmos o exemplo acima a um indivíduo que possui vários bens e se desfaz de alguns desses bens, mas não dá baixa naqueles que foram vendidos, ele fica em uma situação privilegiada, por exemplo, para obtenção de crédito junto às instituições financeiras. Eu poderia afirmar que guardadas às devidas proporções foi isso que aconteceu com o Banco PanAmericano, mas não foi.
O Banco Central, órgão supervisor do setor, por alguma razão desconfiou dos volumes apresentados pelo PanAmericano e constatou que a instituição não estava trabalhando dentro das regras. Diante das irregularidades detectadas agiu corretamente para restabelecer a ordem das coisas. Como resultado imediato o Grupo Silvio Santos, controlador principal da instituição, teve que recorrer ao Fundo Garantidor de Crédito – FGC para aportar a quantia de R$ 2,5 bilhões na instituição como forma de restabelecer o equilíbrio patrimonial do Banco PanAmericano. Vale destacar que o FGC é um mecanismo de segurança do setor um colchão de segurança. Trata-se de um fundo formado com contribuições das instituições que operam no mercado para servir de salvaguarda em situações que podem afetar o mercado.
Entretanto, para obter o crédito do FGC, o controlador da holding do Grupo Silvio Santos teve que colocar como garantia para salvar o PanAmericano ativos que possui. As garantias apresentadas são o sistema SBT, a rede de lojas Baú da Felicidade, entre outras.
A história promete novos desdobramentos em vista do processo de investigação em curso pelo Banco Central. Quando foi detectado o problema? No due dilligence que antecedeu a compra pela Caixa? O BACEN teria condições de saber do problema? Por que a notícia foi divulgada somente depois do processo eleitoral? Há quanto tempo a pratica era realizada?  Existem culpados? Quem são eles? Quanto os administradores lucraram com esta prática? O que este episódio pode representar para o setor? É um episódio isolado ou será possível encontrar prática similar em outras instituições semelhantes? Qual a repercussão que este caso causará?
Comprometo-me a escrever sobre esse tema em outra ocasião, pois o tema parece que ficará na mídia por algum tempo até tudo ser esclarecido.

Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).
E-mail: marco.pontes@lgpconsulting.com.br - Twitter: @MarcodePontes
Skype: Marco.Antonio.Pontes - Blog: www.marcoponteslgpconsulting.com.br

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Preços do Seguro Saúde pode disparar.....

STJ reconhece direito de reajuste contratual de prêmios por desequilíbrio no seguro saúde
10/11/2010 – Consulte o link:  Viver Seguro


Daniela Mendonça uma colega de profissão que atua no mercado de saúde há vários anos acaba de compartilhar a notícia de que depois de tanta discussão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito de seguradora do ramo saúde de promover o reajuste contratual dos prêmios sempre que houver desequilíbrio por conta da elevada sinistralidade, capaz de gerar condições excessivamente onerosas ao segurador.
De acordo com o STJ, prevalece, nessas situações, a previsão inserida nos artigos 478 e 479 do Código Civil, segundo a qual é permitida a revisão do negócio por fato que lhe cause prejuízo estrutural. Na mesma decisão, o STJ reconheceu a não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação contratual firmada entre empresas.
Segundo o advogado Sérgio Barroso de Mello, do escritório de advocacia Pellon & Associados, vencedor da ação
“a decisão se reveste de inédito e memorável precedente, pois viabiliza todos os contratos de seguro, de qualquer ramo, atingidos por elevada sinistralidade, na medida em que será possível promover o reajustamento do prêmio para seu equilíbrio”, disse.
A luta se arrastava nos tribunais há vários anos. O controle de preços exercido sobre às seguradoras de plano de saúde inviabilizaram a venda dos produtos individuais que foram se tornando excassos. A decisão poderá aumentar os preços que estavam represados. Para o segurado não é uma boa notícia às vespera do Natal.
Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP). E-mail: marco.pontes@lgpconsulting.com.br .Twitter: @MarcodePontesSkype: Marco.Antonio.Pontes. Blog http://www.marcoponteslgpconsulting.blogspot.com/