domingo, 24 de outubro de 2010

O Estado no banco dos réus - A preocupação global de empresários e contribuintes com o aumento da carga tributária.

Eu não sou advogado, tributarista ou especialista no assunto, mas na qualidade de contribuinte sinto-me na obrigação de expor uma opinião a respeito do tema que escolhi tratar no artigo desta semana. Mas fica uma advertência aos leitores: no presente artigo não encontrarão uma abordagem tributária profunda com fundamentação técnica de natureza jurídica em bases consistentes que o tema exige. Deixo tal missão para os especialistas. Feita a advertência sinto-me mais à vontade para prosseguir.
Considerando que já afirmei do que o texto não trata, devo justificar do que se trata. O texto pode ser entendido sob a perspectiva de um desabafo ou uma observação pontual, na condição de observador curioso, sobre um tema que me afeta diretamente como contribuinte e cidadão.
Tomei a iniciativa de escrevê-lo, tendo como pano de fundo o comentário feito por um leitor em um artigo que escrevi recentemente, e ao acesso que tive sobre uma discussão entre especialistas. Discutiam em colóquio a necessidade de abandonar o nexo físico da presença do Estado na cobrança de impostos pelo fato de não mais representar uma forma eficiente de coleta no século XXI. Um debate fascinante entre tributaristas permeado por expressões e citações jurídicas que muitas vezes foge à compreensão de nós, profissionais de formação cartesiana. De um lado, os representantes do poder público, o Estado. De outro lado, proeminentes tributaristas representando a iniciativa privada.
O contexto da discussão: a necessidade do Estado de realizar investimentos por meio de ações mais eficientes na arrecadação de tributos, face o comércio do século XXI estar consolidado sob uma perspectiva mais complexa, eletrônica e virtual, isto é, em ambiente de alta tecnologia, onde os negócios são conduzidos de forma dinâmica e sem fronteiras, e portanto, torna-se necessário propiciar uma arrecadação mais adequada como forma de produzir o emprego de maior justiça social. Sob a percepção de justiça, o argumento é plausível, afinal é inegável que a tecnologia propiciou uma revolução em todas as atividades e que se faz necessário estabelecer uma sintonia com tal transformação em todos os campos de aplicação, e por que não na questão tributária?
Entretanto, é raro identificar motivações que leve o Estado, por meio do poder Legislativo e Executivo, caminhar no sentido de encontrar meios eficientes que propicie ou amenize a redução da carga tributária para a sociedade em geral, como forma de promoção de maior bem estar social, contrariando os mesmos princípios de justiça social alardeados na defesa de uma maior arrecadação, fato comum na grande maioria dos países que hoje possuem uma elevada carga tributária.
 O equilíbrio de forças é sempre desfavorável para o contribuinte, já que os Estados avançam de forma muito tímida ou praticamente ficam estagnados nos meandros burocráticos que emperram qualquer avanço, seja no que tange aos impostos incidentes sobre a Produção e Circulação de Bens, Operações Financeiras, Aduaneiras como também no Imposto de Renda da Pessoa Física e Jurídica. É uma queixa comum, que ultrapassam fronteiras ou nacionalidade. Uma insatisfação presente nas sociedades de países que compõe o bloco de economias desenvolvidas, emergentes, em processo de desenvolvimento ou na condição de economia subdesenvolvida.
A preocupação está presente no cotidiano de todos nós, que vivemos interligados em um processo de globalização irreversível.  Como encontrar meios eficientes de estabelecer uma equidade tributária de modo a reverter tais situações? O que está faltando aos governos para encontrar meios que propiciem o atendimento de tal reivindicação?
No caso brasileiro, não é preciso ser um especialista para entender que existem falhas graves na forma de conduzir o tema, especialmente em favor dos contribuintes. Fato que contribui decisivamente para alimentar o entendimento comum de que o Estado, sob a perspectiva tributária, é tido como uma fonte de energia semelhante àquelas que os astrofísicos denominam de buraco negro, capaz de sugar a matéria sem contemplação. Isto é, solapando de forma excessiva os recursos da atividade produtiva e do cidadão comum, que não tem o retorno adequado em nível da qualidade.
 São inúmeros os fatores que poderiam servir de estimulo para propiciar a amenização ou redução da carga tributária nos países que compõem o grupo de economias emergentes ou em desenvolvimento nas últimas décadas, especialmente no caso brasileiro, mas que não contribuíram em nada para frear o aumento sistemático da carga tributária. Em tese, os recursos arrecadados pelo nosso Estado deveriam ser empregados na melhoria dos sistemas de educação fundamental, saúde, saneamento, segurança e em obras de infraestrutura, como é objeto de desejo das populações em diversos países, mas que são desperdiçados com a criação de novas obrigações por parte do poder Legislativo.
No Brasil, em particular ao longo da década de 1990, foi possível enxugar parte dos gastos públicos com a privatização de atividades que não fazia sentido o governo atuar, ou que atuava de forma ineficiente. Apesar dos avanços ocorridos, a classe média brasileira não se beneficiou na medida certa do esforço realizado, em termos de redução da carga tributária. Um exemplo típico ocorreu no caso da educação fundamental e da saúde, que devido ao elevado grau de ineficiência e precariedade, levou o indivíduo a preencher a lacuna nas escolas particulares e no sistema de saúde privado. Isto é, passando a pagar por esses serviços em duplicidade.
  O caso brasileiro não é único. São raras as situações ao redor do mundo onde é possível encontrar um quadro satisfatório da população em relação ao que o Estado propicia de benefícios em retorno ao nível de impostos pagos fato que contribui para aumentar as diferenças sociais. A situação se agrava à medida que as sucessivas crises na economia mundial contribuem para aumentar o rol de países que questionam seus governos com a finalidade de rever a carga tributária imposta à população.
Por que é tão comum o Estado se posicionar em uma zona de conforto? Isto é em estado de inércia ao invés de providenciar ações mais eficazes no sentido de propiciar a redução da carga tributária? Tenho certeza que parte da resposta para que tal situação permaneça assim, está na ineficiência e falta de sensibilidade dos políticos em resolver o problema, afinal cabe a eles tal missão.
Ao invés de agir com determinação na raiz dos fatores geradores de desequilíbrio para tratar os vazamentos do sistema, que são as reformas estruturais necessárias para contenção dos gastos públicos, concentram sua atuação em soluções paliativas, ineficientes e de curto prazo. E, em outras situações, atuando de forma irresponsável na criação de programas ineficientes, sem qualquer compromisso com a população, agindo em benefício próprio ou de setores específicos da sociedade, criando leis que geram um maior compromisso do Estado. Naturalmente, sem mencionar às respectivas fontes de financiamento, agravando desta forma o desequilíbrio das contas públicas, que acaba afetando o lado mais fraco - o contribuinte.
É um círculo vicioso sem fim que nos condena, irremediavelmente a pagar cada vez mais impostos, pois é sabido que se o desequilíbrio nas contas públicas não é equacionado em bom termo, o aumento da carga tributável é inevitável.    
Por outro lado o efeito mais imediato do aumento da tributação é o aumento proporcional da sonegação fiscal de determinados setores da economia, criando outro círculo vicioso, do qual nós, contribuintes, somos os mais prejudicados. Pois, considerando que não dispomos de meios eficientes para proteção, visto que somos tributados diretamente na fonte por ocasião do pagamento da renda, em troca dos serviços que produzimos para a sociedade.
O círculo vicioso que faço referência é o fato do Estado ciente de que a sonegação é uma realidade legisla ao “seu bel prazer” o aumento da carga tributária, com base no princípio de que a sonegação é um fato. Situação absurda pois, os bons pagadores de impostos acabam sendo penalizados pela própria ineficiência do Estado em coibir tal prática, pagando mais impostos.
O fato é que no Brasil, como em diversos países do mundo, a elevação sistemática da carga tributária sobre cidadãos e empresas é uma realidade, e tem atingido níveis de representatividade cada vez mais elevados em relação ao PIB (GNP) nas últimas décadas.
O nível de arrecadação tributária em relação ao PIB no Brasil saltou, no início década de 1990, de 29% para 34%. O Brasil, no âmbito do BRIC é o que possui a maior carga tributária. O nível de 34% é equivalente a representação do PIB (GNP) dos países de tradição socialista ou social democrata como é o caso da Alemanha, Canadá e Espanha.
 Em 2008, a carga tributária no Brasil representou 34,85% do PIB e em 2009 caiu para 34,28% do PIB (GNP), segundo dados do IPEA. Significa dizer que o brasileiro trabalhou 123 dias no ano para manter o volume dos gastos públicos. Isto é, o brasileiro pagou mais de 4 meses de trabalho no ano para sustentar a máquina pública. Considerando que o Brasil, apesar de ter avançado nos níveis de melhoria da qualidade de vida, ainda está distante do que os países de tradição socialista ou social democracia, mencionados anteriormente, oferecem de benefícios em troca dos impostos que são arrecadados pelo governo desses países. 
 Por outro lado, o retorno do Estado na forma de melhoria das condições de bem estar social, de um modo geral ao redor do mundo, não tem sido condizentes, proporcionalmente ao nível que se faz necessário. E o que é pior, paradoxalmente, tem servido para aumentar diferenças sociais, levando ao agravamento da situação.
 Portanto, torna-se urgente que os governos elejam como prioridade na agenda de compromissos, a discussão da questão tributária com todas as especificidades que o tema requer. No caso brasileiro em especial, em vista do cenário de crescimento para os próximos anos ser uma realidade incontestável.
 A expectativa de crescimento do PIB (GNP) brasileiro no início do ano era de 6%. Segundo os resultados atingidos até o fim do terceiro trimestre, o crescimento será de 7,5% no fim de 2010. É inegável que o país ainda tem fôlego para manter um crescimento sustentável para os próximos anos, em patamares de 7% ao ano.
Entretanto para melhorar esse quadro, torna-se necessário avançar de forma mais responsável na discussão da reforma do sistema de previdência do setor público, da reforma tributária, jurídica e política. São esses os temas mais urgentes que o país precisa ter na ordem do dia. As reformas retro-mencionadas permitirão um crescimento econômico e social em níveis significativos e duradouro, caso contrário, poderemos desperdiçar uma oportunidade única de manter os ganhos obtidos no passado, com a privatização realizada na década de 1990 e a reforma monetária de 1994.
A reforma tributária e da previdência pública no Brasil, em particular, se faz necessária, especialmente para que alguns setores da economia tenham melhores condições de contribuir com uma participação mais condizente no nível de representatividade do PIB (GNP) nacional.
Entre os setores que têm capacidade de propiciar maior bem estar e qualidade de vida para a população, pela importância chave no processo de sustentação do crescimento da economia brasileira, destaco a indústria de seguros, resseguros e naturalmente a previdência complementar. Face à capacidade inequívoca que tais setores possuem de produzir aumento nos níveis da poupança interna tão necessária à economia brasileira, revertendo em benefícios nos níveis de bem estar e da qualidade de vida para a população.
 O governo brasileiro tem um grande desafio diante de si, isto é: dar início às reformas necessárias, como forma de propiciar maiores oportunidades de crescimento econômico e social em benefício da população.     


Marco Pontes é diretor da LG&P Advisory Services, membro do IBA e da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP. Email:marco.pontes@lgpconsulting.com.br, blog: www.marcoponteslgpconsulting.blogspot.com; Twitter:@MarcodePontes, Skype:Marco.Antonio.Pontes.

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