quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Qual foi a lógica na ilógica decisão do CNSP quanto ao Resseguro?


O Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP publicou as Resoluções nº 224 e 225, em 6 de dezembro de 2010 deixando atônitos os resseguradores internacionais que se instalaram no Brasil nos últimos anos e alguns profissionais do mercado, no qual me incluo. O teor das Resoluções é curto. A Resolução nº 224 diz o seguinte “Art. 1º. O art. 14º da Resolução CNSP Nº 168, de 1° de dezembro de 2007, passa a vigorar acrescido do seguinte § 4º”:
“§4o As responsabilidades assumidas em seguro, resseguro ou retrocessão no País não poderão ser transferidas para empresas ligadas ou pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro sediadas no exterior.”
A Resolução nº 225 destaca: “Art. 15. A sociedade seguradora contratará com resseguradores locais pelo menos quarenta por cento de cada cessão de resseguro em contratos automáticos ou facultativos.” (NR).
O CNSP é presidido pelo Ministro da Fazenda. Na sua ausência pelo Superintendente da SUSEP. Além do Ministro da Fazenda, o CNSP é composto por um representante do Ministério da Justiça, um representante do Ministério da Previdência e Assistência Social, o próprio Superintendente da SUSEP, um representante do Banco Central do Brasil e um representante da Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Afinal, qual terá sido a motivação para eminentes personagens publicar as medidas?
Confesso minha surpresa com o teor do instituto publicado. Em primeiro lugar, por contrariar a forma habitual que o CNSP conduz assuntos de natureza polêmica. Ao longo do mandato do governo Lula é fato que agiu, acertadamente, com cautela e transparência nos assuntos polêmicos. Isto é, levando à audiência pública para discussão com o setor antes da publicação de assuntos dessa natureza. No caso em questão, o CNSP apenas publicou a norma.
Eu li, atentamente, os diversos artigos publicados sobre o tema e optei por refletir por mais tempo para expressar minha opinião. Fiz isso por duas razões. Tinha um pouco de esperança que a situação fosse revista e, também evitar precipitações comuns. O tempo passou e concluí que a motivação foi eminentemente política, mas não em função do que é melhor para o Brasil.
Gostaria de ter mais subsídios para entender o pensamento do legislador quanto às motivações que levaram à publicação da referida norma. Vamos supor que o legislador estivesse descontente quanto ao desempenho dos resseguradores internacionais que se instalaram no Brasil. Se isso fosse verdade por que não expressou o seu descontentamento? Por que o legislador no fim do mandato do governo que propiciou a abertura do mercado emitiu uma norma, sem discussão com o setor e que de certa forma recoloca o resseguros no mesmo status quo que se encontrava antes da abertura?
Todos nós acompanhamos as dificuldades que representou a abertura do mercado. Em 1998 era esperada a abertura que não aconteceu por pressão política. Finalmente em 2007 o assunto foi retomado. Por outro lado estamos cientes que a iniciativa de uma empresa para se instalar em um país representa um somatório de investimentos. O que se espera em troca? Um cenário de estabilidade que compense os investimentos realizados.
Sob essa perspectiva, a decisão pode ser compreendida como um retrocesso, pois coloca em xeque todo o esforço realizado para a abertura do setor. O mais preocupante é a instituição de um cenário de instabilidade desnecessário.
Dificilmente os resseguradores que não estão constituídos sob a forma de ressegurador local investirão capital suficiente para se tornarem competitivos no Brasil; até porque não faria qualquer sentido abrir mão da capacidade que detém em suas matrizes para administrar o risco.
Por um lado, a medida é uma ducha fria para as empresas que já se instalaram no Brasil, acreditando na seriedade da abertura do mercado. Por outro lado, fecha definitivamente a porta de entrada de novos resseguradores que avaliavam a intenção de se instalar no Brasil.
Lembro que por ocasião da abertura do mercado em 2008 foram concedidas diversas vantagens ao IRB para que pudesse estar preparado adequadamente para competir com os resseguradores internacionais. Na ocasião, foi uma decisão razoável, isto é oferecer vantagens para dar fôlego e musculatura ao IRB que não teria as mínimas condições de competir em igualdade de condições com os grandes resseguradores internacionais. O privilégio de atuar sozinho por tantos anos no mercado brasileiro trouxe uma inércia natural. Contudo hoje isso não faz sentido algum.
Sob o contexto histórico é fato que o mercado de seguros e resseguros vivenciou uma paralisia crônica ficando estagnado por décadas e com participação pífia em relação ao PIB. Por que, então criar novas barreiras para represar o crescimento do setor? Quais foram às motivações que levaram o CNSP a tomar tal medida? Privilegiar os grupos nacionais? Como fica a competitividade do mercado e, finalmente como fica a imagem do Brasil no exterior após essa decisão?
Não tenho dúvidas que a repercussão foi negativa, pois os investidores certamente terão o direito inequívoco de interpretar a medida como uma demonstração clara de falta de seriedade e descaso ao esforço que tais empresas realizaram ao acreditar na abertura do resseguro no Brasil. Comparações com atitudes tão comuns ao governo de Hugo Chaves são inevitáveis.
A decisão do CNSP leva a concentração das operações de Resseguro ao IRB novamente. Tal concentração não é boa para o Brasil. Poucos dias atrás conversando com meu filho de 14 anos de idade ele perguntou: “Pai, por que o preço do LCD ficou tão mais em conta daquela ocasião que viemos comprar”? Por causa da competitividade, respondi.”
A competitividade em qualquer esfera deve ser incentivada, caso contrário, decisões dessa natureza como a que o CNSP tomou nos levarão de volta aos tempos da Lei de Mercado de Informática que criou um abismo em termos de Tecnologia para o Brasil. Afinal, que modelo nós desejamos construir para o país? Um modelo altamente concentrado? Certamente que não. Esse modelo pode ser bom para a Venezuela, mas, definitivamente não é o modelo que o Brasil deve seguir para que a população, as empresaas e o mercado usufruam dos benefícios que a competitividade proporciona.
Se a decisão for mantida, no mínimo os investidores internacionais terão o direito de pensar muito antes de vir se instalar no Brasil, pois se foi possível tomar uma atitude tão protecionista e xenófoba na atividade de resseguros, por que não é possível que decisões semelhantes sejam tomadas em relação a outros setores da atividade econômica que são igualmente importantes para o desenvolvimento do país? Convenhamos o Brasil não precisa ter que lidar com esse tipo de dúvidas novamente. A custa de muito esforço o governo atual trabalhou no sentido de mudar essa imagem negativa que o país possuía no exterior. O CNSP e a SUSEP realizaram um excelente trabalho ao longo dos últimos anos. Todavia, valendo-me de uma expressão do futebol a publicação da Resolução nº 224 pode ser interpretada como “bola fora".
O país tem grandes desafios para superar nos próximos anos. Eventos importantes como a Copa do Mundo e as Olimpíadas necessitarão de grandes investimentos em infraestrutura. O mercado de seguros e resseguros tem um papel desafiador sob esse contexto.
Estamos às vésperas de um novo governo assumir. Com o novo governo espera-se uma nova composição do CNSP. Até por conta de estarmos em contagem regressiva para 2011, mantenho minha esperança que os novos representantes do CNSP revejam o ponto de vista em relação à medida publicada em 6 de dezembro de 2010, restaurando a credibilidade que tanto precisamos; pois não há dúvidas que a medida não foi boa para o Brasil, visto que, salvo melhor juízo, representou um retrocesso em relação aos avanços realizados desde 2008 e, especialmente, por fomentar um clima de instabilidade para os investidores internacionais. O Brasil precisa de competitividade e da expertise internacional.
Concluindo, gostaria de deixar um alerta para os representantes da indústria de resseguros no Brasil. No atual ambiente empresarial não existe mais espaço para a ingenuidade. É preciso que vocês se mobilizem no sentido de criar uma liderança forte para defesa dos seus interesses, caso contrário, pagarão um preço elevado por desprezar os aspectos políticos do negócio em que atuam. A omissão gerará como consequência tais situações.
Restam dois dias para 2010 acabar. O ano de 2011 está chegando e a ocasião é propícia para fazer o dever de casa. Organizem-se!
Para melhor compreender o tema sugiro aos leitores a leitura dos artigos que constam dos links a seguir. Entre os que eu tive a oportunidade de ler foram os melhores que abordaram o tema.

Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).
Twitter: @MarcodePontes
Skype: Marco.Antonio.Pontes

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