segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Resseguro e as Entidades Fechada de Previdência Complementar

A Lei Complementar n° 109 de 2001 introduziu novas figuras na legislação de previdência complementar, de modo a permitir as condições necessárias à disseminação de novas entidades de previdência complementar no Brasil. Era necessário promover novas mudanças no quadro regulatório, visto que a Lei n° 6.435/77 já não atendia a realidade das entidades sob diversas perspectivas. Uma das principais motivações da Lei Complementar foi alinhar a realidade sócio econômica do país às Entidades de Previdência Complementar – EPC´s. O processo de globalização produziu profundas mudanças nas relações do ambiente de trabalho, impactando de forma sistemática as Entidades. Por outro lado, a Lei n° 6.435/77, não dispunha dos instrumentos necessários para acompanhar tais mudanças no ritmo que ocorreram.
Um dos principais méritos da nova legislação foi a criação de novos institutos, dentre eles, destacamos; a portabilidade, o benefício proporcional adquirido - BPD e a possibilidade das EPC’s, por meio do artigo 11, contratar operação de resseguro no mercado. Indo mais longe, conforme previsto no parágrafo único deste artigo, quando se tratar de Entidade Fechada de Previdência Complementar - EFPC, a possibilidade de ser instituído um fundo de solvência, ainda, dependente de regulamentação. No que tange aos princípios gerais da Lei Complementar n°109, há que salientar, ainda, que ela é fortemente orientada no sentido da ação do Estado estar voltada para proteger os interesses dos participantes, reforçando a função orientadora do Estado, seja através da ação do órgão normativo ou do órgão fiscalizador.
Servi-me desse preâmbulo para contextualizar a importância que o Estado deu a nova legislação para o setor de previdência complementar e compartilhar com os leitores a respeito de uma discussão travada, recentemente com alguns colegas de profissão, dentre eles; representantes de Seguradoras, Resseguradoras e Consultores, sobre a questão envolvendo as operações de resseguro entre EPC’s e Resseguradores de forma direta, ou seja, sem haver necessidade do processo passar por uma Seguradora.
Um fato que chamou minha atenção foi a forma, veemente, com a qual, alguns colegas de mercado se posicionaram quanto ao tema. Penso que defender a posição de que as operações de resseguro deve necessariamente passar por uma seguradora é precipitada no atual contexto em que se encontra o mercado.
Afinal, qual o sentido do resseguro?  Resseguro é o caminho de transferência ou cessão de riscos financeiros e atuariais entre entidades que administram riscos relativos a seguro de bens (propriedades, carros, etc..) e/ou aqueles associados à vida (morte, invalidez, longevidade, etc..) de uma entidade administradora de risco para outra, no caso, o Ressegurador. Tradicionalmente, uma transação de resseguro é definida entre duas administradoras de risco, onde o Segurador vende parte do risco assumido para um Ressegurador. De forma primária, o Segurador e Ressegurador podem, a partir dessa relação estabelecida, contratualmente, dividir os ganhos e perdas de uma determinada operação.
Em suma, o objetivo principal do resseguro é reduzir os passivos que as EPC possuem. Sob essa perspectiva, penso que no momento atual é uma discussão inócua, em vista da situação de mercado. Baseio minha afirmação no fato de que as EPC’s nos últimos anos têm procurado fugir dos passivos atuariais. Seja pela reforma que implementaram no desenho de seus planos ou pela falta de padronização dos planos de benefícios. No decorrer das últimas décadas as EFPC’s mudaram drasticamente os desenhos de seus planos de benefício definido para contribuição definida pura. Esse processo teve início há uma década atrás. O mesmo ocorreu com as Entidades Abertas de Previdência Privada – EAPC. Em ambos os casos, entendo não haver o que ressegurar, visto que os modelos de planos de benefícios passaram a ser, basicamente financeiros. O risco deixou de ser das EPC’s em ambas vertentes Abertas ou Fechadas e passaram a ser assumidos, diretamente pelos participantes dos Planos, tanto na fase de capitalização, quanto na fase de percepção da renda que passou a ser temporária. O risco da longevidade e da taxa de rentabilidade que são os principais componentes para formação de passivos de risco, praticamente deixaram de existir. Mesmo nas coberturas de risco por morte ou invalidez, prevalece como benefício o recebimento do saldo do fundo financeiro acumulado ou de uma renda temporária, resultante do que o fundo foi capaz de produzir até a ocorrência do evento gerador morte ou invalidez. Entendo que isso é um equívoco por parte do Segurador, visto que o mercado tem condições de oferecer coberturas mais sofisticadas e com sentido de proteção mais apropriado do que aqueles que hoje predominam no mercado.
 De que forma um indivíduo ou seus dependentes podem ficar protegidos, se o evento gerador ocorrer de forma prematura? Não há produto disponível para atender essa demanda. A situação torna-se mais dramática, especialmente sob o contexto do atual cenário de crise que afetou fortemente a rentabilidade dos planos de contribuições definidas. As Seguradoras e o Estado deveriam dar mais atenção a esse assunto – não é ao meu juízo justo que os participantes arquem, integralmente com esse risco. Acredito que as Seguradoras podem ser mais criativas na oferta desses produtos. É um desafio que terão à frente nos próximos anos, caso contrário, inevitavelmente as Resseguradoras ocuparão esse espaço.
O que resta então para ressegurar? Uma parcela ínfima dos planos de benefícios definidos existentes no mercado. Em uma primeira instância, as seguradoras seriam, em tese, os principais interessados em explorar essa brecha, desenvolvendo produtos mais atraentes para as EPC’s. Contudo não exploraram essa oportunidade na época em que os planos de benefícios definidos predominavam, por que fariam agora? Por causa da entrada das Resseguradoras? De fato não sei, mas a falta de interesse e da oferta de produtos compatíveis com essa finalidade é resultante do fato de que em sua grande maioria, escapam raras exceções, as Seguradoras, procuraram fugir do risco o que é um paradoxo, visto que a matéria prima das Seguradoras é na sua essência o risco.
Diante disso, penso que sendo uma EPC, uma administradora de risco, qual seria o impedimento de contratar diretamente o resseguro junto a uma Resseguradora? O fato das EPC’s não estarem definidas como Seguradoras? Acredito que essa resposta não justifica a defesa veemente de que a operação de resseguro deve ser intermediada por uma Entidade Seguradora, pois de fato uma EPC possui o mesmo propósito que uma Seguradora de Vida. A única diferença é que seu foco é restrito a um determinado grupo de pessoas ou empregados, mas o risco de sobrevivência, que é um de seus focos permanente de preocupação é o mesmo de uma Seguradora de Vida.
Da mesma forma é alvo de preocupação, o risco de obtenção de taxas de retorno no médio e longo prazo de modo a manter os compromissos assumidos com seus segurados, no caso, os participantes da Entidade. Muito mais pela falta de ousadia do mercado Segurador, penso que aqui existe um campo fértil para os Resseguradores atuarem, pois, em tese, possuem uma política de subscrição de riscos mais ousada e a experiência internacional as credenciam a oferecer produtos mais atrativos para o mercado. Partindo da definição do que é uma operação de resseguro, elas podem vir a ser de fato uma alternativa para as EPC’s, muito mais por falta de ação das Seguradoras do que um impedimento legal que acredito não existir, atualmente na legislação brasileira.

Acredito que é uma questão de tempo, a comercialização de soluções para proteção ou minimização dos passivos associados aos planos de benefícios definidos de EPC’s. Caso os Seguradores não tomem a iniciativa, os Resseguradores o farão.
É importante ressaltar que um dos propósitos para promover a abertura do mercado de resseguro à iniciativa privada foi aumentar a competitividade no mercado de modo que a sociedade pudesse dispor de mais opções para sua proteção. Para o consumidor pouco importa, se o produto é oferecido por uma Seguradora ou Resseguradora, é indiferente. O que importa para ele é que o produto esteja disponível e seja acessível no mercado.
A utilização dos superávits dos planos de benefícios definidos, por exemplo, poderia viabilizar a compra de produtos que tenham a finalidade de proteger os riscos de longevidade das rendas vitalícias e das taxas de rentabilidade no médio e longo prazo, visto que as taxas de rentabilidade serão fortemente reduzidas no longo prazo. O principal desafio aqui é estabelecer a medida técnica de co-participação nos déficits técnicos entre Segurador e/ou Ressegurador junto às EPC’s.
Quanto à viabilidade do fundo de solvência, penso ser o caminho mais penoso, pois ele só seria viável com fortes subsídios do Estado nos moldes do crédito imobiliário, em que o Estado tem uma importância vital. Um fundo privado, considerando que não há maturidade do mercado, nem escala parece ser inviável no momento.
Os instrumentos legais para viabilizar a operação de resseguro entre EPC’s e Resseguradores são uma realidade. A operação está amparada pela Lei Complementar n° 109/2001 e a Lei Complementar n° 126/2007. O fato desse tipo de operação estar restrita aos Resseguradores Locais que poderia ser visto como uma vantagem competitiva é perfeitamente compreensível. Apesar dos esforços de investimento feito por aqueles Resseguradores que se instalaram sob a forma de admitidos ou eventuais foi uma forma do regulador diferenciar aquelas que se constituíram como local, em vista de demonstrarem de forma inequívoca mais confiança no mercado brasileiro e de evitar a evasão fiscal.


Marco Pontes é diretor da LG&P Advisory Services e membro do IBA e da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP. Email: marco.pontes@lgpconsulting.com.br blog: http://www.marcoponteslgpconsulting.blogspot.com/
Twitter: MarcodePontes, Skipe:Marco.Antonio.Pontes

5 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo.

    Porém, o que se nota no mercado é que já existem alternativas para a cobertura dos riscos de morte e invalidez em Planos de Contribuição Definida pura, administrados por EFPC's.

    Guilherme Walter
    Atuário MIBA nº 2.091

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  2. Otima colocação sobre o tema. Sou atuário e trabalhei em uma consultoria atuarial de EFPC e participei desta migração dos planos BD para CD puro e misto. As Entidades apresentaram essa ofensiva de transferir seus riscos para os participantes. Presenciei debate da comissão dos participantes com a diretoria das Entidades para defender seus investimentos e a permanência da cobertura do risco negociado a anos atrás. Entretando, as EFPC criaram medidas de insentivo a migração oferecendo aportes, e criando planos mistos, ou seja, recebendo de forma de BD para os assistidos e somente aqueles que migraram em um prazo deternminado, mas os novos participante não teriam esse critério, colocando um ponto final no problema do risco assumido quando a massa "velha" se extinguisse. A SPC (PREVIC) aprovou o regulamento dessas Entidades, não se opondo a está medida pecaminosa de enfraquecer o mercado. A justificativa das entidades seria o medo de não honrar seu compromisso devido a queda dos juros colocados ao mercado e a crise que se instalou no mundo a dois anos. Esse assunto é bastante amplo para discussões. Finalizo aqui meu comentário agradecnedo a oportunidade de por os atuários para pensar e se envolver em temas de nossa profissão e abrir a mente. Boa semana a todos.

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  3. Caros André e Walter. Eu não sou contra os planos de contribuição definida, absolutamente. Todos os planos tem vantagens e desvantagens, especialmente para os mais jovens, os planos CDs se justificam. Para mim não faz muito sentido a renda também ser um fundo financeiro, apenas isso. Mas vou expressar meu ponto de vista sobre este assunto em um outro artigo. Obrigado por seus comentários.Abs.

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  4. Claro, Marco.
    Também não sou contra os planos CD puros, embora ache que os mesmos - por não apresentarem a característica da garantia do recebimento do benefício de forma vitalícia - desvirtuem um pouco da essência da previdência complementar.
    Acredito que o desafio - principalmente para nós, atuários - é trazer formas de se assegurar o recebimento vitalício do benefício aos assistidos, principalmente em planos instituídos, que são forçosamente (LC 109) estruturados na modalidade CD.
    Abraços
    Guilherme Walter
    Atuário MIBA nº 2.091

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  5. Caro Walter.
    Eu estava desenvolvendo um projeto na antiga SPC e pude perceber com clareza a razão pela qual optaram por definir a modalidade de CD para os planos instituídos. O objetivo foi tentar evitar ao máximo a possibilidade de fraude e permitir que o Participante acompanhasse pari passu a evolução do fundo. Sob essa perspectiva tem sentido a decisão do regulador. No entanto nos planos oferecidos para as empresas o modelo não deveria ser totalmente de contribuição definida pura como vem acontecendo. Nem o modelo Chileno que é uma experiência única é tão liberal neste sentido. A grande maioria dos modelos de reforma da previdência prega uma parte do benefício na forma de BD, mesmo que seja um valor simbólico. Eu defendo um valor mínimo na forma de BD e o resto na forma de CD se o participante desejar, mas jamais sendo imposto sem alternativas para o Participante. Corre-se o risco de deixar uma legião de aposentados sem amparo. Esse dever de casa deve ser feito pela SUSEP e PREVIC, caso contrário qualquer crise irá solapar o valor dos benefícios. Um abraço.

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