segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A nacionalização do sistema de previdência privado da banca em Portugal não é solução.

A edição da revista eletrônica portuguesa Essencial do mês de outubro publicou na matéria de capa, artigo do Senhor José Antonio de Souza, CEO da Liberty Seguros Portuguesa que mostra sua preocupação acerca do rumo da negociação em curso para a integração dos fundos de pensões da banca na Segurança Social.
De fato, a notícia é altamente preocupante, pois um sistema de pensão privado em qualquer nação tem como elemento principal a confiança e a credibilidade que são condições essenciais e indispensáveis para prosperar.
Uma negociação envolvendo o setor da banca vai contra tais princípios, suscita dúvidas quanto à capacidade e eficácia dos órgãos de supervisão e gera desconfiança em relação à solvência de todo o sistema de pensão privado em Portugal. Sob essa perspectiva que escrevo o presente artigo.
É certo que os bancos constituem peças importantes na determinação da quantidade de moeda de um país. Por essa razão, os governos tendem a regulamentar esses intermediários financeiros com mais rigor do que em outros setores da economia. Um exemplo típico dessa regulamentação é o depósito compulsório, que obriga as instituições depositárias a manter uma fração de seus depósitos junto ao Banco Central de seus países, possibilitando a este um maior controle sobre a oferta de moeda, pois é sabido que informações distorcidas podem propiciar situações que levam uma determinada instituição à insolvência, entre elas destacamos: (i) corrida aos bancos, quando por desconfiança de que o banco não dispõe de fundos suficientes para pagá-los, os depositantes vão simultaneamente sacar todos os seus recursos, o que leva à falta de liquidez da instituição; e (ii) pânico financeiro, quando os provedores de fundos ao sistema financeiro, incertos da solidez das instituições financeiras recipientes de seus fundos e da saúde do sistema financeiro como um todo, passam a crer que a melhor ação disponível é retirar seus recursos das instituições financeiras, gerando elevados prejuízos à economia. É por meio da regulação do sistema financeiro que o governo pode colaborar para reduzir a possibilidade de graves crises financeiras e proteger o público e a economia desses efeitos maléficos.
Em resposta a globalização da economia, as sucessivas crises financeiras e o conseqüente aumento dos riscos das instituições financeiras que o Comitê de Basiléia tem desenvolvido uma série de ajustes ao longo da última década que culminaram com a produção das diretrizes de Basiléia II e Basiléia III a serem seguidas pelas instituições financeiras e que vem sendo adotados em outras nações. Da mesma forma, o Comitê de Solvência II estabeleceu um protocolo extenso a ser seguido pelas seguradoras. Entendo até que às regras são mais rígidas, pois essas últimas não representam um risco significativo de contaminação do sistema, como por exemplo, os bancos representam, pois diferente das instituições financeiras, os recursos que compõem os passivos dos participantes de fundos de pensão e dos segurados nas seguradoras estão registrados sob o título de reservas e não estão sujeitos a saques freqüentes como ocorrem nos depósitos de conta corrente na banca.

Tanto o financiamento dos planos de pensão como as reservas geradas pela aplicação dos recursos devem ser objeto de fiscalização permanente com a finalidade de evitar que eventuais desequilíbrios atuariais e financeiros levem à insolvência de um fundo de pensão ou de uma seguradora.
É verdade, também que o cenário altamente volátil do mercado financeiro na atualidade pode trazer grandes dificuldades para instituições que administram fundos de pensão, pois elas precisam remunerar os compromissos atuariais assumidos com os participantes para honrar os o pagamento dos benefícios contratados. A questão principal que merece reflexão é por qual razão se estuda a nacionalização da banca? O que pode diferenciá-los em relação às instituições de outros setores da economia? Partindo deste princípio não se justifica a nacionalização da banca em Portugal.
Se os déficits ou desequilíbrio atuarial do sistema de previdência complementar Português estiver restrito apenas a banca, entendo que deverão ser consideradas outras saídas para o equacionamento do problema que não a nacionalização. Entretanto, se a negociação que se encontra em andamento atingir todos os setores da economia e não apenas a banca poderá estar em curso mais um movimento de nacionalização do sistema de pensão em um país, fato que sem dúvida representará um grande retrocesso para os milhões de cidadãos Portugueses que investiram anos seguidos no sistema de pensão, acreditando que estariam protegidos na velhice. Os prejuízos advindos de uma decisão de tal monta, afetará a credibilidade de todo sistema trazendo desconfiança para a população, constituindo-se em uma barreira psicológica de difícil superação para geração atual e para as gerações futuras e desencadeará uma onda de questões jurídicas por iniciativa das partes prejudicadas e outras discussões intermináveis, tais como:
O que levou a situação atual?
Se existiam ferramentas de monitoramento do sistema de fundos de pensão e que os patrocinadores dos fundos de pensão são obrigados a informar, periodicamente e de forma detalhada a situação econômica, atuarial e financeira no balanço contábil. Por que razão os órgãos de fiscalização na atuaram de forma preventiva de modo a evitar o agravamento da situação de desequilíbrio?
De que forma ocorrerá a propagada migração dos fundos de pensão da banca para a Segurança Social? Os déficits serão, devidamente, cobertos pela banca, antes da transferência?
Como será o tratamento atribuído às entidades que se encontram em situação de equilíbrio atuarial?
Os responsáveis pelos déficits apurados serão responsabilizados? De que forma?
Se administrar o sistema público de previdência em décadas passadas já representava um desafio para os governos nos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento na atualidade, o desafio é mais dramático, em vista, das sucessivas crises globais da economia e do agravamento dos fatores de risco diretos do sistema, entre eles: o aumento da longevidade, o envelhecimento da população, a redução do nível de natalidade e os sucessivos problemas de equacionamento da dívida pública desses países, tornaram esse desafio mais dramático.
Exatamente em vista das razões acima, em tese, não faz sentido, a nacionalização de parte ou de todo sistema de pensões de qualquer país que tenha feito a opção pelo sistema privado. O sistema privado de pensões foi criado exatamente para cumprir essa lacuna que os governos não foram capazes de oferecer a população e deve ser protegido. O agravamento da crise dos sistemas públicos ao redor do mundo é uma realidade, pois eles, dificilmente terão condições de manter na linha de tempo os níveis de benefícios para a sua população. Portanto, a nacionalização na íntegra ou em parte do sistema de pensões em Portugal, apenas adiará o problema para as demais gerações que terão de cobrir os déficits futuros ou ter os benefícios reduzidos de forma inexorável.
Os fluxos de contribuições do sistema de pensão privado em qualquer país representam grandes somas de recursos que muitas vezes despertam o interesse de governos em situação de crise, pois servem para evitar o calote de dívidas já que muitos desses recursos são aplicados em títulos do próprio governo. Uma referência de situação semelhante é o caso da Argentina que privatizou o sistema, alguns anos atrás nos moldes do sistema privado chileno e, posteriormente, nacionalizou o sistema, trazendo inúmeros prejuízos para a população. Outra referência histórica, mas por razões diferentes ocorreu com a previdência brasileira que mantinha na década de 1960 um sistema privado que atendia os diversos setores da economia que foram nacionalizados em situação de exceção pelo regime militar. Ambas às experiências se mostraram desastrosas para a população desses países. Por que seria diferente em Portugal?
Na condição de atuário acompanho com preocupação os desdobramentos da discussão sobre o tema em Portugal na expectativa de que seja encontrada uma saída que evite a nacionalização de parte ou na íntegra do sistema de pensões privado.

Marco Pontes é diretor da LG&P Advisory Services. Email:marco.pontes@lgpconsulting.com.br.

2 comentários:

  1. Olá Marcos,
    Ótimo texto, é oportuna a conexão com os acontecimentos em outros países que envolvem as questões relacionadas a atuária.
    Mas veja que parece engraçado, as nações de primeiro mundo cometendo erros que pareciam comuns nos países de terceiro mundo, vide esta intenção de referendo na Grécia. Será que jogaram fora a cartilha que tínhamos que engolir até 10 anos atrás?

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  2. Obrigado por seu comentário. A cartilha é a mesma para qualquer país com dificuldades.. controle da dívida pública e fiscal. A situação de alguns países que compõem a Comunidade Européia ficou complicada. Em tese os títulos emitidos tem risco zero, mas no caso da CE criou-se um embrólio, pois já não possuem a liberdade de emitir moeda, o que agrava a situação. Daí o problema que estamos acompanhando e não sabemos onde pode parar. Abs.

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